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A Bioeconomia Azul para o futuro que queremos

Prof. Doutora Helena Margarida Moreira de Oliveira Vieira

06/02/2023

Imagem de Luque Stock em Freepik

Depois de anos esquecido na agenda política internacional, o Oceano tem vindo a ocupar, nesta nova década, um lugar de relevo cada vez maior, merecido e exigido face à realidade planetária atual. A Agenda 2030 das Nações Unidas definiu um Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) dedicado especificamente ao Oceano. O ODS 14 é dedicado exclusivamente à conservação e uso sustentável do Oceano e deu o mote para uma nova era de estratégias, investimento, inovação e investigação numa área que nos é tão significativa. Mas o Oceano, com todas as suas atividades, é tão vasto e diverso que contribui para quase todos os ODS, de forma direta ou indireta. E esse reconhecimento global, da sua intrínseca relevância e potencial, tem vindo a aumentar exponencialmente na Europa, e em Portugal em particular, conduzindo a uma nova forma de desenvolvimento – mais sustentável e azul (e verde). O Plano Ecológico Europeu, a Estratégia do Prado ao Prato, ou ainda as Estratégias da Biodiversidade 2030 e da Bioeconomia são mais algumas das referências no plano Europeu onde o Oceano assume um papel de relevo.

Em Portugal, a mais recente Estratégia Nacional para o Mar 2021-2030 (ENM2021-2030) é o instrumento de excelência da política pública para a gestão de um dos maiores ativos do país. Nesta nova versão, a saúde do ecossistema marinho surge como o pilar basilar para um desenvolvimento económico, social e ambiental de Portugal com os olhos postos num futuro que se deseja mais sustentável, e assente em conhecimento científico como mecanismo central de apoio à decisão.

Fotografia de ededchechine em Freepik

Mas arrisco a dizer que poucos portugueses conhecem verdadeiramente o Mar português em todas as suas dimensões e usos. E menos ainda são os que sabem qual o real valor do Mar hoje para Portugal e o papel que tem tido, e pode ainda ter, para o nosso sucesso enquanto nação desenvolvida que pretende prosperar numa nova realidade planetária – a de um mundo a sair de uma das maiores pandemias de todos os tempos, uma Europa em guerra como já não esperaríamos ver, um planeta em ebulição climática e social, e uma sociedade onde o paradigma de desenvolvimento económico tem forçosamente que mudar.

A próxima década coloca-nos assim desafios difíceis ao nível da recuperação social, económica e ambiental. Mas, com tudo o que hoje sabemos e (espero) aprendemos, urge assentar essa recuperação num sólido conhecimento científico e num novo paradigma de desenvolvimento sustentável. A Economia azul terá aqui um papel essencial e dentro dela os modelos bioeconómicos serão um pilar de sustentabilidade.

A economia do mar é hoje uma porção relevante da economia global incluindo todos os setores que têm uma ligação direta ou indireta com o oceano e seus recursos, como fonte, meio ou objetivo de negócio e do seu desenvolvimento. De acordo com o mais recente Relatório Europeu de Economia Azul 2022 e os dados do Observatório da Economia Azul na UE, o valor acrescentado bruto (VAB) dos setores azuis em Portugal contabilizou 5,8 mil milhões de euros, representando 15,4% do VAB total da Economia Azul na UE-28 e contribuiu ainda para cerca de 4,9% do total de empregos na UE (dados 2020). A Economia do Mar é já o 3º terceiro maior setor económico nacional e vale 5,1% do PIB nacional e contribui para 5% das exportações do país, empregando mais de 241 mil pessoas. As projeções da OCDE para 2030 preveem que o crescimento da economia azul irá ultrapassar o crescimento da economia global como um todo, quer em termos de valor acrescentado bruto, quer em termos de emprego.

O desenvolvimento sustentável da economia do mar assume-se assim como um dos grandes objetivos desta década tanto ao nível global como nacional. Mas este desenvolvimento está intimamente ligado à capacidade regenerativa dos ecossistemas marinhos no qual ele assenta, como preconizado pela ENM2021-2030.

Fotografia de ededchechine em Freepik

A economia azul (uma outra forma de olhar para a economia do mar) engloba igualmente todos estes setores e atividades do mar, mas projeta-os no futuro pela exigência da sustentabilidade e de princípios de harmonia nas suas três dimensões: económica, social e ambiental. Assume a sua intrínseca conexão com o meio marinho, e a necessidade de usar os recursos marinhos de que depende de forma equilibrada.

A economia azul depende de serviços de ecossistemas, como a regulação da temperatura do ar e a paisagem, e do capital natural, i.e., recursos naturais como a água, os minerais e as espécies marinhas que são usados, explorados, transformados e disponibilizados à sociedade por entidades públicas e privadas. Nos últimos anos tem aumentado a consciência global de que os recursos naturais são finitos e de que as atividades humanas têm impacto nos ecossistemas. No fundo, este conceito define uma nova economia do mar. Uma economia do mar suportada no melhor conhecimento científico e em tecnologia de ponta, respeitadora das regras de gestão e exploração sustentável dos recursos naturais, e em linha com padrões internacionais de segurança marítima, contribuindo para a proteção ambiental, a manutenção e/ou restauro da biodiversidade, e a salvaguarda social e humana a par do crescimento económico. Por esse motivo será determinante que, no futuro, a própria economia consiga não só valorizar o capital natural, mas contribuir de forma decisiva para diminuir as pressões e impactes sobre os recursos naturais, desenhando modelos de gestão mais sustentáveis e mobilizando recursos para a conservação e para o restauro dos ecossistemas. É neste novo paradigma de desenvolvimento que emerge a bioeconomia (azul).

A bioeconomia é um modelo económico que substitui a utilização de recursos fósseis por recursos renováveis de base biológica. Neste modelo de desenvolvimento são utilizados os recursos d​a terra e/ou do mar – como culturas agrícolas, florestas terrestres ou marinhas, recursos animais ou vegetais e até microrganismos – para produzir alimentos, materiais e energia sem delapidar os recursos naturais pré-existentes. A bioeconomia tem assim como objetivo possibilitar o desenvolvimento económico e social respeitando os limites naturais dos ecossistemas terrestres e marinhos. A Bioeconomia azul é aquela que desenvolve e aplica estes conceitos aos recursos naturais marinhos e ao ecossistema oceano. Hoje temos também em Portugal o Plano de Ação para a Bioeconomia Sustentável que, em conjunto com a ENM2021-2030, procuram criar condições para o desenvolvimento de uma bioeconomia nacional assente nos setores competitivos que por cá temos como a cortiça, o têxtil e o mar, claro está.

Temos hoje em território nacional excelentes exemplos de aplicação do modelo da Bioeconomia azul, a começar pelo crescente número e dimensão de áreas marinhas protegidas (AMP) nacionais, algumas em co-gestão, e o enorme impacto que têm tido no crescimento e desenvolvimento de setores como o turismo sustentável (por exemplo a observação de cetáceos e turismo de mergulho nas AMP dos Açores ou nas Selvagens) ou a pesca sustentada e auto-regulada (com o aumento da biomassa e os correspondentes stocks de pesca nas zonas subjacentes a AMP como por exemplo na zona de Sesimbra). Outros exemplos relevantes passam pelo desenvolvimento da aquicultura multitrófica integrada, onde os conceitos de equilíbrio do ecossistema marinho natural são aplicados na produção simultânea de algas, peixe, bivalves e/ou e invertebrados de valor comercial (por exemplo em Alvor com produção de macroalgas, ervas marinhas, peixe e ostra e ainda pepinos do mar na mesma cultura).

No outro extremo tecnológico podemos citar os mais recentes desenvolvimentos nacionais no campo da biotecnologia azul, onde a utilização de microrganismos marinhos recolhidos em quantidades ínfimas nos ecossistemas marinhos mais inóspitos são depois reproduzidos em laboratório utilizando tecnologias limpas e verdes e que geram produtos de elevado interesse comercial como anti-incrustantes incorporados em tintas para a indústria naval, transportes marítimo e infraestruturas aquáticas ou ainda o desenvolvimento de substâncias e biomateriais para as indústrias cosmética, médica ou arquitetónica. O elo comum a todos estes exemplos é que não só são de baixo, neutro ou até impacto positivo no ecossistema marinho mas todos eles, de uma forma ou de outra permitem o desenvolvimento económico dentro dos limites dos recursos naturais existentes e ainda contribuem para a regeneração direta e acelerada dos mesmos.

A Bioeconomia azul permitirá a Portugal continuar o caminho obrigatório da transição climática conduzindo-nos a um Portugal mais resiliente, robusto, sustentável e autónomo na próxima década. É por isso este o momento para liderar pelo exemplo, desenvolvendo e exportando produtos, serviços e tecnologias inovadoras e biológicas, de preferência assentes num dos nossos maiores ativos, o oceano, e que respeitem os princípios globais do novo paradigma de desenvolvimento do futuro que se quer, promovendo um impacto positivo no nosso país, mas essencialmente, e também, neste planeta azul que é de todos nós.

Autor: Prof. Doutora Helena Margarida Moreira de Oliveira Vieira

Doutorada em Biomedicina pelo Imperial College of London / Pós-graduada executiva em Liderança e Estratégia na Indústria Farmacêutica e Biotecnológica pela Harvard Business School / Confreira da Confraria Marítima de Portugal – Liga Naval Portuguesa