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Cultura Marítima vs Importância do Mar para Portugal

Eng. José Luís Pontes Tainha Saramago

31/10/2022

Sumário

A “cultura marítima”, num contexto amplo, poderá ser aferida numa relação biunívoca com a “importância que o Mar tem para o País”, dado que a exiguidade da primeira poderá explicar um certo desconhecimento inconsequente da segunda e em sentido inverso, o materializar proveitoso dessa “importância” acarreta in fine a um maior aumento “cultural” e generalizado. A evitar sem dúvida, será o continuar duma situação rotulada de certa impotência, num país-nação desde o século XII, em poder beneficiar em pleno século XXI, de todas as vantagens resultantes das excelentes condições socio-geográficas intrínsecas marítimas e que tão poderosamente foram impulsionadas no século XV.

  1. Introdução

Muito, quase arriscaria dizer demasiadamente, tem sido escrito por doutos autores especializados nas diferentes matérias e especialidades que cobrem, diria este “jovem humilde confrade marítimo”, toda a problemática ligada aos 2 temas colocados em título.

De um modo geral, ressalta que a maioria dos textos terminem sempre em perspectivas optimistas e de que os objectivos por alcançar, serão um dia atingidos. Nada de mal nisso et au passage fazendo bem ao “ego marítimo” de certa forma. Agora se até há pouco tempo, estas perspectivas eram encaradas com alguma displicência, “fazendo esquecer” a falta de alcance dos objectivos pretendidos, na actual fase de evolução das sociedades e respectivos mercados, quaisquer atrasos na realização desses mesmos objectivos, terá impactos maiores com perda fatal de oportunidades para outros concorrentes, concorrentes esses com potencial marítimo equivalente ao português.

O tempo urge, pelo que os nossos actores mais relevantes na “coisa marítima” terão, de uma vez por todas, sair de zonas de conforto ou em poucas palavras: “sair do embarcadouro em dead slow, certo, mas, passadas as últimas bóias de enfiamento, navegar para o largo em full throttle”!

  1. A importância do Mar

Sobre este item não vai o autor alongar-se muito, dado a quantidade de informação publicada e debatida e na generalidade perceptível pelo País, que mais não seja intuitivamente. Com efeito, ninguém negará, no seu pensar mais profundo, que Portugal está visceralmente ligado ao Mar, nem que “prosaicamente” pensando em 3 factos simples:

* o “cheirar da maresia em qualquer ponto do território” (o ponto mais afastado não estará a pouco mais de 130 milhas – terrestres da borda d’água);

* a elevada percentagem per capita (a nível mundial), do consumo nacional dessa “jóia” que é o pescado;

* o facto apontando à percentagem mínima ou quase inexistente de cidadãos portugueses que nunca estiveram à beira-mar.

Em nossa opinião, é importante sublinhar, ainda que de forma sinóptica, para alguns vectores em que Portugal acentua essa importância intrínseca do Mar, para si próprio como país-nação:

– a posse consistente duma Marinha de Guerra (Marinha & Autoridade Marítima)

[vide defesa e supervisão do imenso território nacional marítimo, a que acrescem os compromissos específicos com a UE e a NATO.

Os recursos financeiros e humanos ao dispor da Marinha portuguesa deverão ser seriamente ponderados e devidamente fortalecidos. Mais, a perspectiva, ainda que a curto-médio prazo, da nossa plataforma continental poder evoluir para uma dimensão quase próxima da área total da UE (com tudo o que isso deverá acarretar de esforço administrativo e vigilância endógena), mais pressiona à procura dos meios necessários. Não falando ainda, entretanto da conservação, gestão e exploração dos recursos naturais do solo e subsolo marítimos e do que isso irá implicar/sobrecarregar.

Antecipando que a orçamentação nacional seja insuficiente (já o é de há longos anos…), para que se alcancem os objectivos estabelecidos, será óbvio que a UE terá de ser chamada a suprir esse défice, dado e tout court, estar em jogo a integridade territorial e de valorização económica europeia no seu todo.]

– a Marinha mercante/actividade piscatória/construção e reparação naval

[em qualquer um destes 3 vectores, se se quiser verdadeiramente recuperar e desenvolver o prestígio e riqueza alcançado há décadas passadas, na área do transporte e abastecimento de bens e matérias fundamentais, na construção não padronizada de embarcações diversas ou outras, a visão a privilegiar terá de ser pragmática por natureza. Investir naquilo que verdadeiramente seja palpável e se traduza no imediato em riqueza para o País.

Se, por um lado, pequenos Estados-membros como a Dinamarca se dão ao luxo de ter macro empresas, verdadeiros players mundiais como por exemplo, a Maersk Line, o nosso País, sem cair em ambições fantasiosas, terá obrigatoriamente de evoluir do conceito económico actual da micro ou pequena empresa por excelência, para a dimensão da média empresa, alcançando assim maior potencial concorrencial a nível europeu e mundial. Claro que em algum nicho(s) específico(s) haverá que não ter receio de procurar alianças e parcerias estratégicas que conduzam à formação mesmo da grande empresa, assim o mercado e a procura o justifiquem.

O limite será o Mar, diria o Navegador! Curioso, como todos sabemos, o termos albergado no passado grandes empresas/players mundiais (Lisnave / CCN / Companhia Portuguesa de Pesca, por exemplo).]

– a navegação de recreio

[a navegação de recreio é impactante também no âmbito do ponto que vem a seguir – “a cultura marítima”. Se há conceito que importa contrariar ab initio é a que ainda hoje é expressa na boutade sobre a navegação de recreio: “aquela arte espantosa de apanhar humidade, acabar por ficar doente, enquanto se anda de um lado para o outro, sem se saber bem para onde, devagar ou depressa, poluindo a atmosfera e gastando, entretanto, uma porção de dinheiro!”

Ainda que se analise exclusivamente a jusante, já o mérito desta actividade se reflectir por si própria, no relaxar da mente, no prazer convivial e/ou familiar e social associados, mostra a sua importância própria.

Por outro lado, não poderão ser olvidados os efeitos económicos que os praticantes/armadores e proprietários provocam e mobilizam a montante, o que só por si atesta à dita boutade, o ser algo errada e capciosa à partida!

Neste vector, é ainda importante salientar o papel dos portos de recreio/marinas existentes no país e na promoção que isso acarreta à actividade de lazer. Mas, forçoso é constatar o facto de só existirem 37 endereços físicos para 2.500 km de linha de água nacional (2% de “factor aparente” de cobertura) o que é manifestamente pobre, compare-se p.e. com outro Estado-membro – Bélgica, com 5 endereços para uns exíguos 65 km de beira-mar (8% como “factor”)!

Por fim, também uma palavra para a relativa subida de pedidos de construção de novas embarcações e do que isso poderá significar no aparecimento e consolidação de futuros estaleiros e na sua ligação ao turismo marítimo.]

  1. Cultura marítima

De forma sumária podemos vislumbrar 3 diferentes modos de a desenvolver:

– a base, a educação escolar

Na realidade, é na Escola, mormente após os primeiros anos básicos, que professores e Ministério da Educação deverão ser insistentes e consistentes no ensino das matérias ligadas ao Mar e às actividades marítimas em geral. Tempo houve em que os assuntos ligados ao Mar eram ensinados de forma puramente factual, insípida e sem o devido envolvimento e contextualização.  Para um adolescente ou jovem adulto naquele tempo, o Mar era sinónimo de praia anual, medos inerentes ao meio aquático e o conhecimento tipo “wikipedesco”, da história ancestral dos ilustres navegadores lusos.

O que foi “cultivado” desde então? Talvez o ensino tenha sido, entretanto, mais alargado a matérias e assuntos ligados com os avanços científicos e melhor sistematizado, no entanto, auscultando pela nossa vivência no quotidiano (análise alargada ao país), no geral o conhecimento dos jovens ainda se revela pobre à saída do ensino obrigatório ou universitário.

Não é dos alunos saídos do ensino marítimo profissionalizante (Escola Náutica, Alfeite ou Pedrouços) reputado de bom nível que se poderá aferir do grau atingido a nível nacional e mercê da via escolar. Estamos num terreno em que é mais que que urgente consciencializar e promover o conhecimento marítimo à escala de toda a população, sublinhando os nossos interesses não só como Estado-membro europeu, mas também num contexto mundial alargado.

As escolas têm um papel primordial neste contexto. Springing to mind (perdoe-se o anglicanismo), porque não instituir uma disciplina específica dedicada ao Mar no ensino secundário, em pé de igualdade com outras matérias no que concerne a avaliação (vide o exemplo da disciplina de educação física)? A capacidade intelectual mais que existe a nível da docência, podendo a cooperação ser solicitada tanto a nível da Marinha de Guerra como Mercante, para não falar de outras entidades que poderiam eventualmente ser chamadas a colaborar em currículos escolares.

Last but not least – o ambiente e a sua protecção. Talvez o assunto mais acarinhado do ponto de vista escolar, mas que deverá ser ainda mais valorizado e potenciado dadas as ameaças crescentes ao nível da poluição. Inimaginável há uns anos, o constatar da existência de 5 enormes ilhas de plástico nos oceanos (a maior das quais “boiando” no Pacífico com uma área equivalente ao Estado-membro francês).

– importância permanente e relevante a garantir pelo poder político

Apesar de já terem sido ensaiadas várias metodologias de coordenação/direcção política no passado relativos ao sector do Mar (desde a total ausência de poder dedicado ao sector ou à inscrição inócua noutras pastas ministeriais não dedicadas, passando por Secretarias de Estado do Mar mas com fraco poder de decisão ou míngua de orçamento e, até, passando por ministério nominal dedicado ao Mar), o que é facto é que os resultados à mercê das diferentes sensibilidades partidário-políticas conjunturais periódicas no poder, são sempre fracos!

Vivemos em “ambiente teórico e das boas intenções” por excelência, com resultados práticos medíocres ou sofríveis. Muitas das vezes, os avanços emanam mais de iniciativas vindas da órbita privada, do que da pública ou estatal.

Certo é que o poder executivo e/ou parlamentar não deixa de dar relevância aos temas do Mar, et pour cause, dado o politicamente correcto ou a necessidade de preservar “o existente- vigente”, mas perspectivas ou medidas consistentes a curto ou médio prazo, envolvendo compromissos dos partidos da esfera do poder, não se vislumbram ou pecam pela modéstia. Valha-nos na actualidade já contarmos com um documento norteador, actualizado ao século XXI: “A estratégia nacional para o Mar 2021-2030”. Todavia, é imperioso mais materialização e constatação de resultados no dia-a-dia, atendendo aos objectivos ali apontados e definidos;

– Escrutínio sistemático (media e agentes sociais)

Sem hostilizar gratuita ou panfletariamente o poder político, deduz-se do ponto de vista anterior ser imperioso aglutinar de maneira mais consistente a sociedade civil ligada ao Mar. Sociedade essa que deverá exigir das autoridades com poder executivo, empenho e eficácia na realização dos objectivos traçados de há muito.

Em democracia será mais que legítimo, o exercício do escrutínio periódico às entidades empossadas dos respectivos mandatos e poderes, tendo em vista a promoção e vigilância dos sectores e actividades ligados ao Mar. A importância de Portugal no contexto da UE é avassaladora (ZEE nacional – Continente, Açores e Madeira representam cerca de 40% da área terrestre total da UE e quase metade da ZEE europeia!). Atendendo à importância que o Mar tem na nossa vida quotidiana como país-nação, a sociedade civil, para além das entidades navais ligadas à nossa Marinha de Guerra e Mercante, tem o dever duplo de ser mais interventiva e participativa no tempo presente!

  1. Conclusão

Talvez imbuído de um certo espírito “demasiado optimista”, o autor gostaria de convidar todos os interessados pela “coisa marítima”, a não perderem o entusiasmo e a perseverança na divulgação dos ideais e temas motores ligados às actividades marítimas do nosso país. Se elas se revestem muitas das vezes de complexidades várias, compreendendo uma multiplicidade de aspectos, talvez por isso mesmo temos a obrigação no dia-a-dia, se a oportunidade e o ensejo o permitem, de Intervir! Intervir!

Para tanto contemos sempre com os Bons Ventos, os Mares Calmos e as Águas Safas.

* Texto escrito em ortografia não atualizada face ao “pretenso acordo desenvolvimentista” da língua portuguesa.

Autor: Eng. José Luís Pontes Tainha Saramago

Parão de Costa, Confrade da Confraria Marítima-Liga Naval Portuguesa