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“O Futuro de Portugal está no Mar” – 120 anos da Liga Naval Portuguesa
Fernando David e Silva
23/09/2020
Na viragem do séc. XIX para o séc. XX viviam-se os anos da “paz armada” que conduziu a uma guerra que transformou a Europa e o mundo num devastador campo de batalha durante cinco anos, num conflito que iria deixar mais de 20 milhões de mortos e fazer desaparecer quatro impérios no Velho Continente.
Em Portugal a monarquia caminhava para o desaparecimento, desgastada por escândalos políticos e económicos, pressionada pelos republicanos e abandonada por alguns monárquicos.
As marinhas de guerra, de comércio, das pescas e de recreio, dependentes do ministério da Marinha e Ultramar, atravessaram tempos difíceis. A Armada Real tinha um núcleo de pequenos cruzadores, do qual apenas um era digno dessa classificação. Com outros quatro, um deles datando já de 1870, formava um conjunto dissonante de meios navais com limitada capacidade militar.
Os transportes de carga e passageiros para o Brasil e os domínios ultramarinos com bandeira portuguesa iam sendo contratados a empresas subsidiadas, muitas delas com vida curta e sobressaltada. Moçambique e a Índia não atraíam estas companhias, sendo servidas por empresas inglesas e alemãs.
Na pesca prevaleciam as artes tradicionais de baixo rendimento. Por atavismo cultural e social, rejeitava-se a adopção de artes e técnicas modernas, como o arrasto por embarcações a vapor, amplamente utilizada por pescadores espanhóis.
Aos assuntos do mar faltavam estratégia – que a instabilidade política não favorecia (a última década do séc. XIX conheceu 14 ministros da pasta), capital – uma questão estrutural, agravada pelos efeitos da crise financeira e económica de 1890-1891 e inovação – dada a quase ausência em Portugal de efeitos da revolução industrial.
Existia consciência da situação por parte de alguns políticos, oficiais das marinhas de guerra e mercante e suas associações, pescadores, armadores e transitários, mas escasseavam uma visão global, recursos e vontade para encontrar soluções.
Em 1900 um grupo de sócios do Clube Militar Naval fez aprovar em assembleia geral a sua intenção de promover a fundação de uma Liga Naval Portuguesa, inspirados pelas ligas navais inglesa (1894) e alemã (1898), criadas para mobilizar as opiniões públicas para a importância das questões marítimas na conjuntura internacional acima referida.
A iniciativa, depressa alargada a personalidades civis, foi liderada pelo então Segundo-tenente António Pereira de Matos, que viria a ser o grande animador da vida da Liga Naval até à sua morte em 1930. Os seus fins associativos, consagrados nos estatutos aprovados em Janeiro do ano seguinte, centravam-se no “ressurgimento da marinha mercante e militar portuguesas”, através do estudo das questões relativas ao seu desenvolvimento, da animação da iniciativa particular para favorecer a sua expansão, de despertar o interesse público para as marinhas militar, de comércio, de recreio e das pescas, bem como da promoção, junto dos poderes públicos, da “adopção de todas as medidas que possam concorrer para a sua prosperidade”.
A Liga Naval procurava assim afirmar-se como uma associação representativa com ambições federadoras dos interesses ligados às actividades marítimas, uma característica que permite singularizá-la no contexto das congéneres euro-americanas do seu tempo. A sua actividade prolongou-se por quatro regimes políticos – a Monarquia Constitucional, a República, a Ditadura e o Estado Novo – cessando voluntariamente a actividade em 1939, devido a dificuldades financeiras, bem como a uma certa exaustão da sua missão, de que a nova situação política se foi apropriando.
Entre 1900 e 1908 a Liga Naval conteve as suas actividades no âmbito dos seus princípios fundadores: promoveu congressos e conferências, editou livros, participou em iniciativas internacionais, criou um Museu Nacional de Marinha, promoveu a propaganda e assumiu a defesa de causas da Marinha de guerra e das marinhas de comércio, de recreio e das pescas junto do governo.
A partir do Regicídio, quando se agravou a crise nacional que se reconhecia de uma forma mais vincada a partir de 1890, a Liga procurou assumir um papel activo na procura de soluções capazes de a resolver. Para o fazer, invadiu o território que pertencia às formações políticas e sociais organizadas, ainda que visando propósitos exclusivos de articulação de posições e conjugação de pensamento e acção das instituições existentes.
A partir de 1908 a Liga Naval empenhou-se na realização de um debate que pretendia nacional e global sobre “os grandes problemas nacionais”, no qual pretendia envolver associações e personalidades que representassem as diferentes correntes de pensamento e de interesses económicos, sociais e profissionais do País. Este foi o momento que é possível identificar como da transição das preocupações da Liga do “ressurgimento marítimo” para o “ressurgimento nacional”, corporizado no Congresso Nacional, que teve lugar em Maio de 1910.
A actividade da Liga Naval passou depois pela criação em 1913 e 1915 de duas 3 associações cívico-políticas próximas das áreas mais conservadoras, de efémera existência. Depois de uma tentativa mal sucedida de, em 1918, se associar à primeira fase do Sidonismo, e ao longo da década de 1920, a Liga manteve uma actividade discreta, quase restrita à realização das assembleias estatutárias.
Já sem o contributo do Capitão-tenente António Pereira de Matos, que faleceu nesse ano, a Liga Naval despertou em 1930 para apoiar o programa naval lançado pela Ditadura. Regressou depois a uma situação de apagamento, sem apoio dos poderes públicos e dos sócios que iam escasseando, acabando por ser forçada a suspender a actividade em Janeiro de 1939.
Encerrou-se deste modo uma tentativa original mas poucas vezes bem sucedida de colocar o mar no centro das atenções dos poderes públicos e da economia nacional.
Sete décadas mais tarde, em 2009, um grupo de personalidades profissionalmente ligados ao Mar, com relevo para Oficiais da Marinha de Guerra e da Marinha Mercante, fundaram a Confraria Marítima de Portugal “uma plataforma de encontro e de reflexão dos diversos interesses ligados ao nosso mar, visando o desenvolvimento de projectos e iniciativas que o valorizem”. Os seus estatutos indicam que “A associação tem como fim promover e divulgar actividades relacionadas com o mar, numa perspectiva abrangente, nomeadamente de carácter social, cultural, técnico e científico”.
Ao grupo fundador, juntaram-se depois empresários do sector marítimo, personalidades ligadas ao sector portuário e à logística, biólogos marinhos, profissionais liberais, académicos e outros estudiosos, desportistas náuticos e autarcas de municípios com vocação marítima, portugueses e estrangeiros. É assim claramente visível o paralelo de propósitos e de processo fundador das associações criadas em 1900 e em 2009.
Em 2019, uma assembleia geral da Confraria deliberou alterar a sua designação para Confraria Marítima de Portugal – Liga Naval Portuguesa.
Já assente nos pilares fundadores e na obra realizada pela Confraria na primeira década da sua existência, abriram-se portas à reivindicação da herança do que de melhor se inscreveu nos princípios e na acção da Liga fundada há 120 anos.
Permanece assim o propósito de afirmar a divisa adoptada pela Liga Naval Portuguesa nos anos iniciais da sua existência: “O Futuro de Portugal está no Mar”.
Nota – o autor não adopta o novo acordo ortográfico.
Autor: Fernando David e Silva
Contra-almirante (Ref.) / Doutor em História Contemporânea pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.