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O Plano Português para o Mar

Rui Ricardo de Andrade Osório de Barros

30/12/2022

O porto de Ponta Delgada, outubro de 2020 (direitos reservados)

A História do nosso país tem-se caracterizado desde sempre pelo seu heroísmo e estreita ligação com o Mar. Foram tão enfáticos os nossos feitos e vitórias marítimas que, a primeira estrofe do Hino Nacional reproduz o testemunho desse que foi de longe nosso legado cultural.

A nível estratégico, político e económico, e também sob ponto de vista bélico, o nosso povo esteve sempre na vanguarda dos Oceanos e do Mar.

Assim, e sob ponto de vista histórico, soubemos aproveitar o Mar para novas rotas de comércio mundial (tendo sido mesmo o país pioneiro do multiculturalismo e da ideia de uma economia Global). Fomos também o primeiro país navegar “por mares nunca dantes navegados”, pioneiros na cartografia.  Inventámos a vela “latina” (ou triangular que ainda hoje é usada em praticamente todos os yachts e navios à vela).

Atualmente, Portugal tem a 3ª maior zona económica exclusiva (ZEE) (1.727,408 km2 de área marítima, números da DGRM) da europa e existem planos para o alargamento desta mesma área para um total de 4.100.000 km2.

Esta oportunidade deveria ser convenientemente aproveitada, pois trata-se de uma campanha que deve ser bem estruturada sob ponto de vista político e empresarial/laboral. Deverá ser feito um planeamento cuidado que nos permita a exploração correta do nosso Mar a médio e longo prazo e que garanta a sustentabilidade do mesmo.

Existem grandes planos para o espaço marítimo português escritos em documento acessível na internet, que envolve uma lista de 185 medidas a serem cumpridas até 2030 e que foram aprovadas pelo Conselho de Ministros a 12 Agosto 2021 (sob o nome de “Plano de Ação da Estratégia Nacional para o Mar 2021-2030 publicado em DR”).

Os 10 principais objetivos para a década são:

  • Combate às alterações climáticas e a poluição e proteger e restaurar os ecossistemas
  • Fomentar o emprego e a economia azul circular e sustentável
  • Descarbonizar a economia e promover as energias renováveis e autonomia energética
  • Apostar na garantia de sustentabilidade e na segurança alimentar
  • Facilitar o acesso a água potável
  • Promover a saúde e o bem-estar
  • Estimular o conhecimento científico, desenvolvimento tecnológico e inovação azul
  • Incrementar a educação e formação, a cultura e a literacia do oceano
  • Incentivar a reindustrialização e a capacidade produtiva e digitalizar o oceano
  • Garantir a segurança, soberania, cooperação e a governação do espaço marítimo.

Isto é um começo animador para o que pode ser o nosso futuro do ponto de vista marítimo e económico. Contudo, perante a nossa situação económica atual, estamos com certeza conscientes de que temos alguns entraves pela frente.

É por isso fundamental que o Estado e as empresas relacionadas trabalhem em conjunto para o investimento cuidado no sector marítimo e no aproveitamento do Mar, reanimar a cultura marítima portuguesa de forma a atrair mais trabalhadores do sector marítimo (incluindo pilotagem e engenharia naval) e instruir as populações através de campanhas e educação escolar sobre a potencialidade do Mar (tanto do ponto de vista económico, científico, de sustentabilidade e até mesmo defensivo).

De facto, o Mar tem muito mais para dar do que turismo já que, a este nível, a nossa costa tem sido razoavelmente bem aproveitada – outra grande potencialidade da nossa área marítima. Aproveito para referir que o plano nacional para o aproveitamento do Mar inclui medidas para este sector (do turismo) através do aumento do número de projetos de saúde e bem-estar associados a propriedades terapêuticas do Mar (temos zonas da costa ricas em iodo e onde já foram inclusivamente construídas unidades de saúde no passado). O investimento no sector turístico tem como objetivo a duplicação do número de participantes em atividades desportivas náuticas no nosso país.

O nosso Mar pode (e é prioritário no plano português para o território marítimo nacional) ser aproveitado para nos tornarmos autossuficientes no sector energético e alimentar (sendo feito de forma sustentável). Deve ser explorado para avanço científico e indústria medicinal; e com certeza pode ser um fator indispensável à criação de emprego e riqueza no nosso País – o plano incluí o aumento em 30% dos postos de trabalho relacionados com a economia azul nacional.

Face ao crescente consumo de água potável, o Estado Português quer duplicar o número de unidades de dessalinização para o fornecimento de água a nível nacional. Até 2030, o Estado Português quer atingir pelo menos 370MW de capacidade instalada para a gestão de energia a partir de fontes renováveis oceânicas.

Portugal pretende ainda aumentar a produção aquícola para 25mil toneladas por ano, aumentando assim em 7% o contributo das exportações dos produtos do Mar a nível nacional.

A produção de conhecimento científico, como suporte aos objetivos públicos para o Mar, é essencial.

Portugal tenciona por isso aumentar em 50% o número de licenciaturas e mestrados bem como duplicar o número de trabalhadores com ensino pós-secundário obtido através de qualificações de nível 5 do quadro nacional de qualificações nas áreas científicas ligadas ao Mar; aumentar em 60%, o número de infraestruturas ligadas ao Mar no roteiro nacional de infraestruturas de investigação de interesse estratégico, e aumentar em 30% o número de dias de Mar das embarcações oceânicas de investigação.

A próxima década deve contribuir também para Portugal reforçar a sua aposta em literacia oceânica e aperfeiçoar a sua oferta formativa e educativa para todas as áreas ligadas ao Mar. Deve estimular-se o empreendedorismo, inovação, especialização mobilidade e outras competências relacionadas com a área.

Do ponto de vista marítimo, creio que passa ainda por estudar a prática dos principais estados de bandeira das embarcações da Marinha Mercante, as suas benesses para atração do investimento internacional nos mesmos (caso do Panamá, Singapura e Bahamas – sendo estes alguns dos países com mais navios registados). Adaptando o modelo destes países estaríamos a criar ótimas condições de investimento estrangeiro em Portugal. Podemos também dinamizar os nossos portos, dragar o solo marítimo aumentando a profundidade dos mesmos e criar uma fluente rede rodoviária e ferroviária que nos permita a mobilidade das cargas chegadas por via marítima para a Europa. Note-se que a posição geoestratégia de Portugal sendo o ponto mais ocidental da Europa é extremamente benéfico para se tornar num importante centro de comercio marítimo olhando a proximidade da América do Norte e do Sul, África e o estreito de Gibraltar (que liga o oceano Atlântico ao mar Mediterrâneo e, por sua vez, Canal do Suez).

Na Confraria Marítima – Liga Naval Portuguesa acreditamos que o legado cultural e marítimo português não pode esmorecer. Por isso, estamos por dentro de todos os assuntos relacionados com o Mar a nível Nacional e acolhemos de braços abertos todas as novidades e planos de aproveitamento do nosso sector marítimo. Assim, querermos referenciar o plano nacional para o Mar e divulgá-lo. Queremos também de forma ativa acompanhar este plano e, se possível, fazer parte dele. É imperioso e fulcral que Portugal, pela sua área marítima, posição geográfica e pela sua história de grandes feitos a nível marítimo se torne um país exemplar de gestão rica, vital e sustentável dos seus recursos marítimos.

Autor: Rui Ricardo de Andrade Osório de Barros

Oficial da Marinha Mercante