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O Surf, seu desenvolvimento e importância económica no turismo nacional

Carlos da Graça Vieira

14/06/2023

O primeiro contacto conhecido do mundo ocidental com o desporto Surf deu-se com a chegada do navegador James Cook ao Hawaii em 1778, ficando este e sua tripulação surpresos com os habitantes locais que, de pé sobre pranchas de madeira, “corriam” ondas.

No século XX iniciou-se a sua prática em vários países do globo sendo difícil ou impossível precisar a data em que chegou a Portugal. Existem várias afirmações, no Continente e Açores, que disputam o pioneirismo do surf no nosso país. Certo é que nos anos sessenta aparecem os primeiros registos de sua prática, tanto por estrangeiros, de passagem ou residentes no país, como por cidadãos nacionais. Desporto que, pela novidade, surpreendia os frequentadores das praias e litoral nacionais. Entre outras peripécias fica nos anais da História do Surf em Portugal o problema corrente que surgiu entre os praticantes que necessitavam das ondas dos dias de praia de bandeira vermelha, implicando estas proibição de nadar, e a autoridade marítima, os então “cabos do mar”, que seguindo o regulamento não permitiam entrar no mar. Os afoitos atletas, como agora são denominados, eram muitos poucos, contavam-se pelos dedos das mãos.

No início da década de setenta dá-se o início da popularização do desporto, sobretudo praticado por jovens que tinham fácil acesso às praias onde começaram a aprender e a praticar a “arte de cavalgar” as ondas. Embora seja polémico quais as localidades e suas praias onde surgiram os primeiros núcleos da actividade é de consenso geral que o surf se estabeleceu em Portugal na Linha do Estoril. Inicialmente houve o problema da falta de equipamento, as pranchas e os fatos isotérmicos, estes essenciais nas frias águas portuguesas, sendo adquiridos aos surfistas estrangeiros de passagem no país ou por quem tivesse a oportunidade de os adquirir no estrangeiro. Surge o primeiro clube de surf e em 1977 realiza-se o primeiro campeonato nacional na praia de Ribeira d´Ilhas, Ericeira, hoje em dia Meca nacional da modalidade.

Três pioneiros portugueses do Surf, em 1968 na praia de Carcavelos. José Furtado, Pedro Lima (falecido) e Carlos Vieira (imagem cedida pelo autor)

Nos anos oitenta dá-se o “big bang”, o surf vira desporto “main stream”, na moda, e muitos jovens querem ser, ou parecer, surfistas, na indumentária, na sua aparência. O comércio do equipamento expande-se, surgem vários fabricantes nacionais de pranchas, multiplicam-se as firmas de importação de material técnico, assim como de vestuário e calçado relacionados com este desporto. Muitos jovens do interior do país, que eventualmente só pisavam as praias nas férias estivais, aderiram ao estilo surfista.

De então para cá o surf e sua envolvente não tem parado de crescer, os adeptos multiplicam-se, não há praia com ondas que não tenha numerosos praticantes, sendo actualmente já um desporto escolar.

Tendo-se o fenómeno do surf tornado global, os países europeus não fugiram à regra, surgindo assim uma oportunidade para Portugal com a sua situação privilegiada. Situado no continente europeu, muito mais perto do que outros destinos igualmente atrativos, com boas condições de ondulação para a sua prática, clima ameno, boa gastronomia e um povo hospitaleiro, torna-se um destino para os surfistas, europeus. Sobretudo durante o Verão, embora não só, é fortemente procurado, o que iniciou uma nova “indústria” turística, que embora já existente para os praticantes nacionais teve um crescimento exponencial com a chegada dos estrangeiros.

Três pioneiros portugueses do Surf, em 1968 na praia de Carcavelos. José Furtado, Pedro Lima (falecido) e Carlos Vieira (imagem cedida pelo autor)

– A vertente hoteleira, para a estadia dos visitantes que de um modo geral não precisam de grandes luxos e que na sua grande maioria não dispõem de meios para tal, e recorrem ao denominado “Alojamento Local”.  Ou os que se deslocam em autocaravanas e instalam-se em parques de campismo e parqueamentos autorizados. O que nem sempre acontece, o “campismo selvagem” é um problema premente ao longo da costa portuguesa nos meses estivais… Como alojamento surgiram assim os “Surf Lodges”,” Surf Camps”, “Guest Houses”, etc. dependendo do tipo de instalações. Nas localidades costeiras junto a reconhecidos bons locais para o surf, nomeadamente o barlavento algarvio e costa vicentina, o litoral alentejano, a Ericeira, Peniche, Nazaré, Figueira da Foz, Espinho, Matosinhos e Viana do Castelo, entre outras, estes alojamentos estão “porta sim, porta sim” em pleno funcionamento durante o Verão. Juntam-se-lhes os estabelecimentos de restauração, supermercados, esplanadas, bares, discotecas, etc para alimentar e entreter toda esta vaga de jovens desportistas. Um caso, que se tornou um paradigma, é a Nazaré que com as suas únicas condições de surf de renome mundial quando este acontece nos meses de inverno, se enche de praticantes e numerosíssima assistência que propositadamente aí se desloca. Num país vocacionado para o turismo e tendo este importante peso na economia nacional o surf e sua evolvente são fatia importante, representando largos milhões de Euros

– Outra vertente, a par da hotelaria, é o desenvolvimento das Escolas de Surf. Inicialmente eram quase uma brincadeira para iniciar os muito jovens no desporto, mas gradualmente foram crescendo ultrapassando actualmente as três centenas no país e que originam fonte de rendimento para os detentores e colaboradores. Reguladas e licenciadas pela autoridade marítima, os seus professores e monitores detentores de formação própria e os alunos obrigatoriamente segurados. Tal o seu número, em crescendo, e a falta de espaço para exerceram a actividade surgiram situações de limite de escolas por praia e implementaram-se horas de exercício de função regulamentadas, o que pode ser um problema pois nem todas as marés, ondulações ou condições atmosféricas são propícias para a prática de aulas. A grande maioria dos alunos, que são milhares em todo o país durante o Verão, não dispõem de equipamento sendo este fornecido pelas escolas. Embora sendo o surf um desporto relativamente barato, depois da aquisição inicial de uma prancha e de um fato isotérmico pouco mais se despende, as escolas de surf são obrigadas a dispor de grande quantidade de material o que é factor importante para quem o comercializa, gerando-se toda uma economia relevante e para a qual os estrangeiros visitantes também contribuem ao paralelamente adquirirem equipamento quando da permanência no pais. Negócio paralelo é o aluguer de equipamento de surf de que praticamente todo o concessionário de praia com ondas dispõe.

Três pioneiros portugueses do Surf, em 1968 na praia de Carcavelos. José Furtado, Pedro Lima (falecido) e Carlos Vieira (imagem cedida pelo autor)

Segundo quem está directamente ligado e acompanha o meio, o desenvolvimento do fenómeno do surf em águas lusas não pára de crescer e os dados do ano económico de 2022 são superiores aos do ano pré pandemia Covid 19. Em tempos Portugal foi apelidado como a Califórnia da Europa, tudo indica que assim vá continuar a ser.

Autor: Carlos da Graça Vieira

Pioneiro do Surf em Portugal