Artigos

Pilotagem

André Marques Pereira

14/06/2023

O mundo atual está interligado entre si através de diversas rotas comerciais que permitem que o transporte de mercadorias seja realizado de forma regular, eficiente e segura. A maioria do comércio mundial é feito por via marítima, que já pela sua natureza, os navios navegando através do meio marítimo, são capazes de se deslocar com maior facilidade em relação a qualquer outro tipo de transporte. A ausência de obstáculos e a vasta área por onde se podem mover, dá-lhes uma grande liberdade de deslocação e permitiu a globalização do mercado atual. Apesar de diversas dimensões e caraterísticas ao logo da História, os navios são ainda hoje um meio de transporte eficiente pois são capazes de transportar grandes quantidades de carga por um baixo custo de energia.

Parte da eficiência deste tipo de transporte está ligado aos portos comerciais. As condições para a o seu acolhimento e a estiva da carga são fatores importantes no que se reflete nos tempos de rotação dos navios. Assim para reduzir os tempos de escala, têm-se desenvolvido técnicas e meios para que o fluxo de navios e cargas entre os portos seja maior e mais eficiente. Um dos exemplos desta evolução foi a carga contentorizada. Os portos são por isso entrepostos comerciais de papel estratégico para a passagem de cargas, devido à sua plataforma multimodal de sistemas de transportes e serviços disponibilizados.

Um destes serviços ao dispor do porto, o serviço de pilotagem, é uma das mais nobres profissões existentes atualmente e que remete para os nossos tempos gloriosos em que o mar era o nosso desígnio.

Pilotagem é o ato de pilotar, é a ciência e arte de navegar pelo meio aquático até ao nosso destino de modo eficiente e seguro. Os pilotos da barra são os profissionais que conduzem a pilotagem em porto, são profissionais marítimos certificados que prestam assessoria técnica aos comandantes dos navios garantindo a segurança e eficiência das manobras. A lei portuguesa descreve a pilotagem como o

“(…) serviço público que consiste na assistência técnica aos comandantes das embarcações nos movimentos de navegação e manobras nas águas sob soberania e jurisdição nacionais, de modo a proporcionar que os mesmos se processem em condições de segurança” (Decreto-Lei 48/2002).

Os pilotos são possuidores de grande conhecimento técnico. O layout costeiro e portuário, as correntes e marés, a meteorologia, a legislação, a balizagem (meios auxiliares à navegação), os tipos de restrições, todo o tipo de conhecimento importante à navegação é disponibilizado pelos pilotos que ao juntar à sua vasta experiência e prática de manobra ajudam os navios a transitar em porto. Familiarizados com os diferentes tipos de navios e sistemas de propulsão, os pilotos conhecem o comportamento dos navios em determinados tipos de condições de mar, maré e vento, e conseguem planear a sua escala em porto com a devida antecedência e cuidado. Os pescadores foram os primeiros pilotos da barra, sendo experientes conhecedores das caraterísticas e dos acessos ao porto, disponham também da navegação prática, eram por isso importantes auxiliares à navegação.

O piloto desembarca do navio de cruzeiros BOUDICA para a lancha BAÍA DE CASCAIS – Imagem de Luís Miguel Correia (direitos reservados)

A manobra do navio é feita recorrendo ao mínimo de recursos possíveis, contudo por vezes devido aos elementos, à própria dimensão do navio, ou outros fatores, é necessário recorrer ao uso de rebocadores para seja possível governar em águas confinadas. Saber utilizar os poucos recursos que temos ao nosso dispor e utilizar os elementos a nosso favor são por si só um ato de criatividade e bela arte de saber manobrar.

A marcação da manobra é feita através dos agentes de navegação que zelam pelos interesses comerciais do navio, contudo o planeamento das manobras é feito pela a coordenação dos pilotos em conjunto com o VTS (Vessel Traffic Service), o controlo de tráfego marítimo, que têm como responsabilidade organizar, comunicar e orientar os navios que transitam no porto.

Os pilotos fazem parte da autoridade portuária, e são responsáveis pela segurança do porto, sendo obrigados a reportar quaisquer deficiências que possam surgir nos navios e que comprometam a segurança ambiental e do porto. Têm por isso um papel importante na proteção das infraestruturas portuárias e do meio marítimo.

Ser piloto da barra é um caminho longo e complicado, mas alcançável. É uma profissão que exige dedicação, disciplina, coragem, criatividade, boa noção espacial e resolução de problemas. Todos os pilotos são Oficiais da Marinha Mercante, licenciados pela Escola Náutica Infante D. Henrique. Normalmente é exigido um mínimo de dez anos de carreira marítima e o escalão de primeiro piloto ou comandante da marinha mercante, sendo que o é dada prioridade a concorrentes com maior tempo de serviço no comando e menor idade.

Existe também uma preponderância para selecionar sujeitos com experiência em diversos tipos de navios, portos internacionais, bom inglês náutico e que já tenham manobrado. Após a admissão o piloto estagiário tem entre seis a nove meses de treino em que desempenha a sua atividade sob supervisão dos seus colegas experientes, os pilotos seniores. No final do seu treino a DGRM (Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos) emite um certificado que permite então o desempenho das suas funções com algumas limitações, sendo estas levantas progressivamente conforme a sua progressão na carreira e experiência. Ao longo da sua carreira têm formações complementares de modo a assegurar a sua constante progressão, atualizando e expandindo os seus conhecimentos.Como mencionado anteriormente, as manobras dos navios em porto são pedidas pelos agentes através de um sistema informático, que posteriormente são distribuídas pelo piloto coordenador e atribuídas por fim ao piloto que a vai realizar.

Existe uma escala de pilotos de serviço durante determinado dia, e que vão passando por si as manobras a decorrer. Estas manobras são planeadas tendo em conta o seu tipo de execução, as condições meteorológicas, correntes/maré e outras caraterísticas importantes, daí a importância de o piloto coordenador saber gerir a hora a que a mesma manobra é marcada e se é necessário recorrer ao uso de meios auxiliares para a sua concretização, como por exemplo os uso de rebocadores, lanchas passa cabos, entre outros meios. As instruções de trabalho são um conjunto de informações importantes que devem ser seguidas pelos pilotos de modo a executar as manobras com segurança. Estas instruções foram criadas com recurso a dados científicos e pela acumulação de saber ao longo de vários anos de prática de pilotagem e que servem como um guia de referência para planear e executar as manobras em porto.

O embarque do piloto por mar é feito através da lancha dos pilotos, que foi especialmente concebida para este efeito. É uma lancha resistente a condições de tempo e mar adversos, equipada com os meios necessários para os pilotos comunicarem, vigiarem e embarcarem em segurança nos navios. Têm uma tripulação de cerca de três indivíduos, o mestre que é responsável por manobrar a lancha, um motorista e um marinheiro. Os trajetos de lancha podem variar entre trinta minutos a uma hora, dependendo dos portos, marés, tipos de navio e local de des/embarque. O embarque é feito com a lancha encostada ao bordo do navio resguardado dos elementos e a velocidades baixas. As escadas quebra-costas podem ter até 9 metros de altura, no caso de o convés exceder esta altura é necessário combinar esta com a escada de portaló. O piloto faz-se à escada assim que surja a melhor oportunidade e quando possível começa a sua subida. É depois guiado por um oficial até à ponte, onde cumprimenta o comandante. Faz-se um briefing acerca da manobra a executar, falando das caraterísticas do navio assim como do cais, cabos de amarração a usar, dos elementos meteorológicos e de maré, mas também da rota que o navio irá seguir em porto e as demais informações pertinentes em termos de tráfego.

Utilizando todos os equipamentos ao seu dispor na ponte para se orientar em termos de posição, velocidade e obstáculos, o piloto conduz a navegação através de ordens/sugestões de leme/proa e máquina. Chegando ao seu cais de destino é então feita a manobra de atracação que requer a atenção e perícia do piloto assim como a assistência do comandante e tripulação. Estas manobras são normalmente mais exigentes porque requerem um cuidado extra na aterragem ao cais, é preciso ter em atenção para que o contacto com o cais seja o mais suave e paralelo possível, sem risco para o navio e as infraestruturas portuárias.

Em Portugal o serviço de pilotagem é assegurado pelas Administrações Portuárias, compostas por oito departamentos no continente, três nas Regiões Autónomas dos Açores e uma na Região Autónoma da Madeira.

Em Portugal a pilotagem é obrigatória para as seguintes áreas:

Nos portos do continente:

  1. Viana do Castelo: no interior do porto e até ao limite exterior de 2 milhas, centrado no farol do molhe exterior;
  2. Leixões: no interior do porto e até ao limite exterior de 2 milhas, centrado no farol do quebra-mar (esporão), e para navios destinados ou que larguem do terminal oceânico de Leixões (monobóia), dentro do limite de 3 milhas, centrado no farol de Leça;
  3. Douro: em toda a zona navegável do rio Douro, a jusante da Ponte de Luiz I e até ao limite exterior de 2 milhas, centrado no farol de Felgueiras;
  4. Aveiro: em toda a zona navegável da ria de Aveiro e até ao limite exterior de 2 milhas, centrado no farol de Aveiro;
  5. Figueira da Foz: no interior do porto e até ao limite exterior de 2 milhas, centrado no farol do molhe norte;
  6. Lisboa: em toda a zona navegável do rio Tejo e até ao limite exterior de 6 milhas, centrado no farol de São Julião;
  7. Setúbal: em toda a zona navegável do rio Sado e até ao limite exterior de 5 milhas, centrado no farol do Outão;
  8. Sines: no interior do porto e até ao limite exterior de 5 milhas, centrado no farolim do extremo norte do molhe leste (verde);
  9. Portimão: no interior do porto e até ao limite exterior de 2 milhas, centrado no farolim do molhe oeste;
  10. Faro/Olhão: em toda a zona navegável da ria Formosa e até ao limite exterior de 2 milhas, centrado no farol do cabo de Santa Maria;
  11. Vila Real de Santo António: no interior do porto e até ao limite exterior de 2 milhas, centrado no farol de Vila Real de Santo António.

 

Nos portos do arquipélago dos Açores:

  1. Porto de Angra do Heroísmo: no interior do porto e até ao limite exterior de 2 milhas, centrado no farolim do monte Brasil;
  2. Porto da Horta: uma distância de 2 milhas centrada no farolim da ponta do molhe do porto da Horta;
  3. Porto das Lajes: uma distância de 2 milhas centrada no farolim da ponta do molhe do porto das Lajes;
  4. Porto de Ponta Delgada: no interior do porto e até ao limite exterior num raio de 2 milhas, centrado no farolim da ponta do molhe do Cais Comercial do Porto de Ponta Delgada;
  5. Porto da Praia da Graciosa: no interior do porto e até ao limite exterior de 2 milhas, centrado no farolim do molhe do porto da Praia da Graciosa;
  6. Porto da Praia da Vitória: no interior do porto e até ao limite exterior de 2 milhas, centrado no farolim do molhe-sul do porto da Praia da Vitória;
  7. Porto de São Roque: uma distância de 2 milhas centrada no farolim da ponta do molhe do porto de São Roque;
  8. Porto de Velas: uma distância de 2 milhas centrada no farolim da ponta do molhe do porto das Velas;
  9. Porto de Vila do Porto: no interior do porto e até ao limite exterior num raio de 2 milhas, centrado no farolim da ponta do molhe do Cais Comercial do Porto de Vila do Porto.

 

Nos portos do arquipélago da Madeira:

  1. Funchal: no interior do porto e até ao limite exterior de 1 milha, centrado no farolim da ponta leste do molhe da Pontinha;
  2. Terminal de Combustíveis da Praia Formosa: até ao limite de 1,5 milhas, centrado no farolim da Vitória;
  3. Terminal Cimenteiro dos Socorridos: até ao limite de 1,5 milhas, centrado no farolim da Vitória;
  4. Caniçal: no interior do porto e até ao limite exterior de 1 milha, centrado no farolim do Cais de Pesca;
  5. Porto Santo: no interior do porto e até ao limite exterior de 1 milha, centrado no farolim do molhe sul

Os pilotos são profissionais marítimos de elevado grau técnico, são profissionais que movem a nossa economia e a fazem expandir, são protetores do nosso meio ambiente marinho e dos nossos portos. Ser piloto da barra é uma das mais desafiantes e ambicionadas profissões marítimas e requer um grande nível de conhecimento e arte. É preciso coragem, calma e clareza mental para saber lidar com as diversas adversidades intrínsecas a este ofício. Os pilotos são um exemplo de excelência, orgulho e profissionalismo da nossa marinha mercante e são um culminar de toda uma história de mar.

Autor: André Marques Pereira

Piloto da Barra em Setúbal Confrade da Confraria Marítima de Portugal – Liga Naval Portuguesa