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Tejo, um braço do Mar amputado

Carlos Menezes

17/04/2024

Tejo, um braço do Mar amputado

Como lisboeta de nascença tive como primeiras recordações visuais o rio da minha cidade a mudar de cenário constantemente, devido à navegação intensa das embarcações, onde o rodopiar dos barcos, quando fundeados, tornava-se o mistério que tinha de decifrar. com tanto barco a ir e a vir percebi que o estuário do Tejo era porta de entrada e saída para o Mar.

Nos bancos da escola os mistérios foram-se decifrando com a compreensão das marés e suas consequências, mas outros enigmas surgiram e alguns ficaram sem resposta.

Enquanto crescia percebi que a outra margem tornou-se um invejável albergue mundial da Construção Naval, cujo o cartão de visita era o enorme pórtico bem identificado, com maiúsculas “LISNAVE”. O cartão de visita persiste, embora não hajam convidados para darem uso aos aposentos devolutos, só não ganham pó porque as marés o eliminam, no entanto a mágoa do deserto persiste devido à decisão político-económico assim o ter decidido, o espaço é apetecível e já foi alvo de sonhos megalómanos sem êxito, pouco sustentados, de duvidoso gosto de enquadramento paisagístico faraónico e pouco racional. É uma cicatriz aberta que não encontra quem a sare. Já lá vai tanto tempo!

Vi também no passado a apetência e necessidade de Lisboa ter um porto de abrigo à frota pesqueira, que era esta também exemplo de um ex-líbris em desenvolvimento da náutica e indústria pesqueira portuguesa, primeiro com os bacalhoeiros à vela, depois evoluindo até aos navios-fábrica, em corolário, nasceu um polo de apoio de excelência a jusante da margem Norte, na doca de Pedrouços, a apelidada “Docapesca”, era uma infraestrutura igualmente reconhecida de evolução e desenvolvimento após captura da pesca diária como a de alto-mar, esta instalação de apoio era necessária, bem adequada e apetrechada, resistiu também ao pós 25 de Abril, mas de novo a decisão político-económico ditou-lhe a certidão de óbito. Nada similar foi substituído e sim perdido.

Para além do Tejo despido, em ambas as referências industriais citadas, as perdas de postos de trabalho foram marcantes, inúmeras e irreversíveis.

Todos estes atributos faziam parte do dia a dia do cenário náutico do rio Tejo, não esquecendo os navios cargueiro, as infindas movimentações locais de transporte de pessoas e mercadorias no seu vaivém constante de margem para margem, bem como tantas outras embarcações várias de utilização diversa complementavam o panorama, onde os barcos desportivos à vela davam uma animação e colorido à vida citadina. Não se culpe a “Ponte sobre o Tejo”, a sua data é de 1966, e aí ainda havia muita vida navegada no rio.

Entretanto nos entrementes muitos outros apelativos e “emblemas” de embelezamento náutico do rio da cidade foram sucumbindo sem justificação plausível e sem substituição à vista, a entrada do novo século poderia ser um incentivo à dinamização da indústria náutica como ao adequado aproveitamento para várias actividades do plano de águas de excelência como é reconhecido internacionalmente, mas não, nada aconteceu …nem acontece, exemplos não faltam, e quem é responsável pela sua dinamização não demonstra arte nem engenho, no mínimo, para ter a mesma dinâmica de outrora, tanto industrialmente como desportivamente, recordo que quem queira ter acesso à água no rio, só é viável em acessos limitados e privados.

Resta-nos a esperança que os simbólicos monumentos da nação plantados à beira Tejo, alusivos às façanhas náuticas dos descobrimentos, não mudem de estatuto por decisão políticoeconómico. Não queremos ver a Torre de Belém ser um dia restaurante de luxo de algum grupo económico, ou poder ser habitação de alguma lenda do cinema, do basquetebol ou estrela de rock internacional.

Para que Portugal mantenha o seu pedigree do seu ADN, considerem este meu construtivo desabafo/alerta como mais um incentivo ao desígnio da nossa Confraria ao pugnar à aceitação no futuro breve, da petição por nós proposta na existência de uma COMISSÃO PARLAMENTAR PARA AS POLÍTICAS DO MAR.

Temos o dever de deixar herança, o Mar de Portugal deverá ser “Paradigma”.

Autor: Carlos Menezes