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A Força que Vem do Mar

José António de Oliveira Rocha e Abreu

31/03/2022

Em 2021 completaram-se 400 anos sobre a criação de uma Força Militar, destinada a combater a bordo de navios, quer em situações de abordagem, quer como Força ofensiva de Desembarque.

Essa Força, denominada Terço da Armada da Coroa de Portugal foi constituída no início do reinado de Filipe III, mais precisamente em 18 de Abril de 1621. É nessa data que o Rei produz um Despacho que renomeia Dom António de Atayde como General do Mar e lhe atribui a responsabilidade de constituir uma Unidade de Infantaria com gente Portuguesa que fosse paga de “Verão e de Inverno”. Esta Unidade foi assim a primeira Organização Militar constituída com caracter permanente em Portugal

Vejamos o significado de TERÇO.

Durante o século XVII, com origem na Alemanha e em Itália, surgiu a ideia de dividir o Exército em unidades de menores dimensões às quais foram atribuídos efectivos de 3.000 homens. A estas Unidades chamaram na época, Regimentos.

Com a adopção desta estrutura, constituíram-se em Espanha naquele mesmo século, unidades de Infantaria denominadas de Terço pois possuíam efectivos de 1.000 homens, ou seja a terça parte dos que constituíam o citado Regimento.

As funções iniciais do Terço da Armada eram o combate em situações de abordagem e o uso de armas portáteis sempre que a proximidade do inimigo o permitia.

Eram verdadeiramente soldados de Infantaria e por isso a sua técnica adaptava-se a todas as circunstâncias de combate terrestre, embora a sua acção inicial fosse a bordo dos navios e na projecção do Poder Naval em terra.

Tinha assim terminado o período em que se levantavam “levas” de combatentes, quando havia necessidade de fazer face a qualquer conflito. Os recrutados nessas circunstâncias eram-no muitas vezes à força e até, não raras vezes, com violência. O Recrutamento era um flagelo para as populações, especialmente as rurais.

É fácil reconhecer os inconvenientes do Recrutamento forçado de homens para o Exército e para a Marinha.

O Terço da Armada da Coroa de Portugal passou a designar-se Terço da Armada do Mar Oceano a partir da Restauração ou seja, após o 1º de Dezembro de 1640. Esta Força foi considerada, desde sempre, uma força de Elite.

Sabemos que durante os 28 anos da Guerra da Restauração o Terço foi empregue na maior parte dos recontros e Batalhas travados e citamos por exemplo, a Batalha do Montijo (Montijo na Província de Badajoz) em 1644, Arronches em 1653, Linhas de Elvas em 1659, Ameixial 1663, Castelo Rodrigo 1664, e Montes Claros em 1665, sendo esta última a derradeira grande batalha antes da assinatura do Tratado de Lisboa em Dezembro de 1668.

Como se sabe D. Pedro, o futuro D. Pedro II assume em 1663 a regência do Reino por incapacidade do seu irmão D. Afonso VI e o Terço da Armada do Mar Oceano passa a ser conhecido popularmente por Regimento do Príncipe, pois D. Pedro escolhe parte desta Força para sua guarda pessoal.

Sucede a esta Organização a célebre Brigada Real de Marinha, criada no reinado de D. Maria I.

Em 29 de Novembro de 1807, face à entrada em Portugal das forças Napoleónicas, a família Real parte para o Brasil e com ela embarca a Brigada Real de Marinha que ali se mantém e ali permanece na sua maior parte, mesmo quando D. João VI, em 1821, regressa a Portugal.

(faço notar que esta Brigada Real de Marinha vai dar origem ao Corpo de Fuzileiros Navais do Brasil)

Aquando do regresso da família Real do Brasil, regressa igualmente uma parte da Brigada Real. Os alojamentos que lhe são destinados são os do seu antigo, e agora muito degradado, quartel à Boa Vista.

Ali fica instalada em más condições.

Entretanto a 10 de Março de 1826, dá-se o falecimento de D. João VI e é designada uma regente do reino a Infanta Isabel Maria sua filha, ficando-se a aguardar o desenvolvimento do processo político, o qual, abreviando detalhes, vem a conduzir à chegada a Portugal, em Fevereiro de 1828, do Infante D. Miguel que estava exilado em Viena.

Estava projectado que ele fosse Regente do reino em nome da sua sobrinha Maria da Glória com quem tinham sido realizados os esponsais, mas tudo é posto de parte, pois a pressão popular impele D. Miguel a deixar-se aclamar Rei de Portugal.

Organiza-se em 3 de Maio de 1828 uma parada militar em honra do Infante D. Miguel, em que a Brigada Real de Marinha participa. Como nos conta um cronista da época, é o delírio! A multidão enrouquecida canta o Rei Chegou e o General Pamplona que assistia ao acontecimento escreveu:

O povo parecia possuído de loucura colectiva. Havia pessoas que se ajoelhavam à passagem do Infante. A Brigada de Marinha que imediatamente o seguia, era vitoriada”.

  1. Miguel, após ter convocado Cortes acaba por ser aclamado Rei em Junho de 1828. A Brigada Real de Marinha fica muito ligada ao soberano.

A Brigada Real de Marinha, como referi, ficou alojada em más condições aquando o seu regresso do Brasil. Mudaram-na de instalações para Xabregas e depois para Vale de Pereiro. Continuou mal. Depois foi ocupar umas velhas instalações em Alcântara que tinham sido ocupadas pela Cavalaria do Exército.

  1. Miguel parte para o exílio em 1 de Junho de 1834 e a Brigada Real de Marinha acaba por ser extinta por várias razões entre as quais pode ter estado o facto de, na mente da Rainha D. Maria II, existir a ideia de que aquela força militar continuava muito apegada às ideias absolutistas de seu tio. Foi assim criado em 1837, em substituição da Brigada Real, o Batalhão Naval, o qual, como acontecia com a organização sua antecessora, continuou mal alojado.

As instalações continuaram péssimas até que a população exigiu que o Batalhão Naval, pelo qual continuava a haver enorme apreço, tivesse instalações condignas. É assim que a Rainha manda convocar um dos melhores Arquitectos do Reino, José da Costa Sequeira e se inicia em 1845 a construção do Quartel de Marinheiros em Alcântara, que ainda hoje lá está e em sólidas condições.

Em 1851 no entanto o Duque de Saldanha, então 1º Ministro, propõe à Rainha a extinção deste Batalhão Naval invocando as seguintes razões e passo a citar resumidamente parte do preâmbulo do Decreto que é proposto:

“SENHORA!

A necessidade urgente de organizar a Marinha, é hoje avaliada por todos que conhecem o estado das guarnições dos nossos navios de guerra.

Imensamente atrasado no pagamento das suas soldadas, mal vestido para sofrer as intemperanças das estações e o rigor dos diversos climas que percorre, desconsiderado e esquecido, o Marinheiro Português, um dos primeiros Marinheiros do Mundo, tem definhado em abandono nas cobertas dos poucos navios do Estado que nos restam, assim eles preferem a navegação nos navios mercantes e assim eles emigram para o Brasil e outras nações que aproveitam, solicitas, estes braços robustos e adestrados que nós desprezamos.

Existe actualmente o Batalhão Naval com 853 Praças das quais, pouco mais de um terço se acha a bordo dos nossos navios do Estado, sem se ocupar absolutamente dos serviços de manobra e sem instrução específica para o Serviço de Artilharia. Uma tropa com tal organização pode e tem sido efectivamente um bom Corpo para servir em terra mas é perfeitamente dispensável para servir a bordo.

Não é pouco inconveniente o ciúme natural que se desenvolve a bordo entre o Marinheiro e o Soldado, pois sucede que o pré do Batalhão Naval está quase pago em dia, relativamente ao enorme atraso das soldadas da Marinhagem que há mais de 6 meses não recebem um Real.”

A este preâmbulo segue-se a constituição do Corpo de Marinheiros Militares que passa mais tarde a ser designado por Corpo de Equipagem da Armada, designação que perdura até 1924 ano em que é criada por Decreto de 2 de Setembro a Brigada de Guarda Naval.

A esta Brigada ficam atribuídas, entre outras, as funções de Infantaria de Desembarque.

A Brigada teve no entanto o mesmo destino das Organizações anteriores e foi extinta em 30 de Junho de 1926.

A Força que tinha actuado, a bordo dos navios, na defesa das nossas rotas comerciais, tinha tido uma existência de 22 meses.

Recorda-se que em 28 de Maio, um mês antes, tinha acontecido a Revolução que um pouco mais tarde vem a conduzir ao Estado Novo.

Julgo que a extinção da Brigada Naval se ficou a dever mais a razões de ordem política do que a quaisquer outras.

Portugal fica sem Infantaria de Marinha até que em 1960, por acção do então Comodoro Roboredo e Silva, são mandados para Inglaterra quatro militares da Marinha. Um Oficial da Classe de Marinha e três Praças da Classe de Monitores. Fazem o Curso de Comandos dos Royal Marines e regressam a Portugal, iniciando-se então a formação da classe de Fuzileiros,

Portugal passava a ter novamente Força de Desembarque especificamente treinada para desembarcar e actuar em terra.

Em 3 de Junho de 1961 instala-se oficialmente em Vale de Zebro a Escola de Fuzileiros, utilizando uma área que pertencia à Marinha.

Ainda em 1961, no final do ano, parte para Angola o primeiro Destacamento de Fuzileiros Especiais.

São formados e constituídos em Vale de Zebro vários tipos de Unidades de Fuzileiros:

Destacamento para acções ofensivas e Companhias para guarda de Instalações, podendo eventualmente participar também, quando necessário, em Operações ofensivas.

12.500 Homens, FUZILEIROS, participam no esforço de guerra em África de 1961 a 1974.

Completaram-se em 2021, como referi, 400 anos da constituição em Portugal do “Terço da Armada da Coroa de Portugal”, organização esta que pelas funções que lhe foram atribuídas, pela sua organização e especificidade combatente, poderá ser considerado o mais remoto antecessor do actual Corpo de Fuzileiros.

O mais antigo Corpo de Tropas constituído com carácter permanente em Portugal, uma Força que vinha do Mar, completou 400 anos de existência. De notar os brilhantes serviços que prestou e continua a prestar à Nação Portuguesa.

Oxalá assim possa continuar.

Autor: José António de Oliveira Rocha e Abreu

Oficial Fuzileiro / Membro da Direção da CMP-LNP