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A Minha Experiência a Bordo de um Rebocador Escocês
Rui Ricardo de Andrade Osório de Barros, Of. MM, Membro da LNP
29/01/2025

A CMS e o THUNDERER
A Clyde Marine Services (CMS) é uma empresa sediada na Escócia que oferece serviços de reboques marítimos. Entrei para a empresa em março de 2024, numa altura de grandes restruturações na sua gestão. Uma delas foi a aposta no investimento em membros permanentes, ao invés de recorrer a agências de recrutamento marítimo, que geralmente oferecem contratos de curta duração.
E é nessa situação que me encontro, embarcado no rebocador CMS THUNDERER, um pequeno navio de 23 metros de comprimento. Exerço as funções de imediato/marinheiro, integrado numa pequena equipa constituída por apenas três elementos (mestre, imediato/marinheiro e engenheiro).
O Mestre, como comandante, é responsável pela integridade física do navio, pela condução e manutenção dos sistemas de navegação, pela segurança e coordenação da equipa de trabalho e, quando em operações, assegura o convés. Tarefas em que é coadjuvado por mim, como imediato/marinheiro.
O engenheiro garante o funcionamento das máquinas e sistemas eletrónicos, a manutenção dos equipamentos, e o seu arranjo em caso de avarias.
Por sermos poucos, acabamos por interagir em conjunto em diversas funções, o que inevitavelmente nos leva a adquirir conhecimentos de outras áreas, algo a meu ver muito positivo.
As refeições são confecionadas a bordo, e todos nós cozinhamos, numa escala de dias seguidos, o que permite diversificar a qualidade e tipo das refeições, sendo a minha feijoada um dos pratos mais apreciados.
O moderno rebocador CMS THUNDERER foi construído em 2023, nos estaleiros holandeses da DAMEN, em Gorinchem. Desloca 491 toneladas e é propulsionado por dois motores Caterpillar com potência total de 5102 cavalos, atingindo um Bollard Pull de 71 Toneladas.
O facto do CMS THUNDERER ser um ASD TUG, com os motores acionando dois propulsores Kongsberg US type L-Drive Azimuth Thruster (L-Drive ou Transmissão em L), tornou a minha experiência particularmente enriquecedora. Um Azimuth Thruster, ou Propulsor Azimutal, é um sistema de propulsão por hélices encapsulados, funcionando como turbinas independentes com capacidade de orientação em 360 graus, permitindo ao rebocador mover-se em qualquer direção e ângulo, incluindo rodar sobre o próprio eixo e executar manobras complexas, com notável precisão e rapidez. Para além disso, permite direcionar ambas as turbinas na direção desejada, o que garante mais potência do que os sistemas convencionais de hélice/lemes ou o propulsor de pás verticais Voith-Schneider.
Os Propulsores Azimutais com transmissão, ou os elétricos, conhecidos por Azipods, por serem sistemas extremamente ágeis e silenciosos, têm vindo a ser adotados não só em rebocadores, mas também na construção naval militar e de mercadorias e transporte de passageiros.
Estando a maioria dos navios ainda equipados com propulsão tradicional, muitas empresas exigem aos seus operadores um curso de simulador certificado como condição indispensável para contratação.
Segundo as palavras do meu experiente capitão, aprender a manobrar sistemas azipod é como aprender a “andar de bicicleta”. A fim de melhor perceber o funcionamento do sistema, podemos imaginar dois motores de bote de borracha, onde para o virar se torna necessário apontar as turbinas (os motores) na direção pretendida. Como consequência, para mudar de direção, basta rodar os controladores correspondentes para onde se pretende que o navio se dirija.
Uma experiência muito exigente.
Uma das operações mais exigentes em que participei consistiu na assistência ao lançamento à água duma embarcação recém-construída. Para essa operação foi necessário mobilizar todos os rebocadores da CMS.
O dia estava particularmente ventoso; ao ponto de o piloto considerar o adiamento do lançamento do navio, que não tinha propulsão, pois os seus motores ainda se encontravam na fase final de construção, não haviam sequer sido testados.
Eu estava a bordo do rebocador WRESTLER nesse dia. O plano consistia em ligar o WRESTLER à popa do navio, o BOXER à proa do navio, enquanto o BRUISER (o mais pequeno da nossa frota) permaneceria prontidão, movimentando-se em redor da operação para, numa urgência, poder assistir onde fosse necessário. O BRUISER estava também encarregue de assistir na limpeza da foz do Rio Clyde (o rio que atravessa a cidade de Glasgow, na Escócia) de quaisquer detritos que ficassem a flutuar (madeira especialmente).
Tudo foi explicado na “toolbox talk” dessa tão especial manhã de trabalho. Perguntas foram colocadas e respondidas da melhor forma pelo patrão da empresa em pessoa e pelos capitães envolvidos na operação. Havia câmaras e muitas pessoas haviam-se deslocado para assistir.
Em posição, ligamos o UHF no canal de comunicações previamente combinado. Estávamos em contagem decrescente.
Após confirmação prévia de todas as partes da nossa prontidão, ouviu-se a voz do piloto “Já iniciamos o processo de lançamento. A qualquer momento, o navio começará a deslizar em direção à água. o vento está forte e irá empurrar-nos em direção a uns baixios que se encontram a nosso bombordo. Assim que houver profundidade suficiente e que seja seguro, por favor conectem o mais rápido possível e puxem-nos para longe dali.”
A janela de tempo era curtíssima. A embarcação foi “atirada” à foz do Clyde. O WRESTLER aproximou-se o mais rápido que pôde, desviando-se das madeiras que vinham ao de cima e pareciam nunca terminar. Eu encontrava-me na popa do navio sabendo que era o link entre a operação ser um sucesso ou um fiasco. Foi talvez o nó mais importante da minha carreira. Todos estavam nervosos, estávamos em contrarrelógio com o vento e as rochas tão próximas de reclamar mais um navio encalhado. Não seria nem o primeiro nem o último; os baixios são inimigos dos navios.
No fim, devido ao profissionalismo de todos, tudo correu bem. Na CMS, esta foi sem dúvida a mais emocionante operação que alguma vez fiz. Foi bom ouvir os aplausos das pessoas que assistiam na costa. Havia drones de filmagem que nos acompanhavam e o barulho das suas hélices eram como asas de vespas gigantes prontas a nos “espicaçar” em caso de falhanço através da por vezes tão dura comunicação dos média.
Ao regressarmos “à base”, o sorriso na face de todos era visível. Trocamos impressões da operação e discutimos o que podia ter corrido melhor ou pior. É sempre assim, aprendemos muito através das nossas vivências e foi tudo uma experiência nova para a maioria de nós (senão todos).
Neste momento, em que me encontro com o navio baseado em Dartmouth, no Sul de Inglaterra, perto do Britannia Naval War College, contínuo a trabalhar e acompanhando intensa e interessadamente a vida a bordo. E a tripulação do THUNDERER, uma pequena comunidade onde me encontro inserido, qual família que se entreajuda e onde cada colega é igualmente um amigo.
A eles, e a toda a Clyde Marine Service, dedico estas poucas e despretensiosas linhas.
(Texto redigido em 26 de novembro de 2024)

O moderno rebocador CMS THUNDERER (CMS).

Um propulsor Kongsberg US type L-Drive (Kongsberg Marine) .

Dois rebocadores da CMS assistindo uma saída de doca (CMS).
Autor: Rui Ricardo de Andrade Osório de Barros, Of. MM, Membro da LNP