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Contornar o Cabo das Tormentas
Dr. Miguel Marques
31/10/2020
Neste século XXI, nunca como agora, a economia portuguesa, em geral, e a Economia do Mar, em particular, tiveram pela frente a necessidade de ultrapassar um terrível Cabo das Tormentas, relacionado com a crise sanitária provocada pela pandemia COVID-19 e a consequente crise económica que lhe está associada. Neste momento, todos nós estamos a experienciar os famosos versos, do canto V, dos Lusíadas, relativos à aproximação ao Cabo das Tormentas.
Tão temerosa vinha e carregada,
Que pôs nos corações um grande medo;
Bramindo, o negro mar de longe brada,
Como se desse em vão nalgum rochedo.
– «Ó Potestade (disse) sublimada:
Que ameaço divino ou que segredo
Este clima e este mar nos apresenta,
Que mor cousa parece que tormenta?»
Sim, a nuvem da crise é tão escura e carregada que a todos incute um grande medo. É caso para se dizer
Meu Deus que ameaça ou que segredo este Mar nos mostra, que parece ser coisa pior que um temporal?”
De facto, se olharmos para os títulos das quatro últimas publicações outlook do Fundo Monetário Internacional (FMI), percebemos muito bem, a dimensão desta enorme nuvem negra que está por cima de nós. Os títulos das publicações são esclarecedores: – “Escalada de Barreiras Comerciais” (outubro 2019); – “Recuperação Lenta” (janeiro 2020); – “O Grande Confinamento” (março 2020) e – “Uma Crise Como Nunca” (junho 2020).
Da mesma forma, a evolução da estimativa da taxa de crescimento do produto interno bruto (PIB) mundial, para este ano de 2020, evoluiu da seguinte forma: Em outubro de 2019, a estimativa era de +3,4%, em janeiro de 2020, passou para +3,3%, em março de 2020, passou para -3,0% e, em junho de 2020 passou para -4,9%. Ou seja, em poucos meses, a estimativa de crescimento do PIB mundial caiu a pique 8,3 pontos base. No que respeita à economia portuguesa a estimativa de crescimento do PIB de 2020, efetuada em junho de 2020, é ainda mais negativa, atinge os – 8%.
Em Portugal, na última década, caracterizada pela instabilidade financeira, a economia do Mar conseguiu superar a crise financeira e afirmou-se com um contributo anual de cerca de 4 mil milhões de euros (de acordo com os relatórios da União Europeia). O projeto LEME – Barómetro PwC da Economia do Mar que, em janeiro deste ano, apresentou a sua 10ª edição, reportou elevadas taxas de crescimento médio anual, no período de 2012 a 2017: carga contentorizada 10,6%; movimento de mercadorias, 6,9%; hóspedes nos destinos de praia e de Mar do Algarve, Madeira e Açores 7,2%; cruzeiristas no Rio Douro 22,9% e valor das exportações da fileira alimentar 5,3%.
No entanto, o mesmo relatório alertou para o facto de que, o atraso nos investimentos no setor portuário, a instabilidade social nos portos, a volatilidade internacional, e as demoras no alinhamento de estratégias multissectoriais – de que é exemplo a ausência de reuniões da Comissão Interministerial dos Assuntos do Mar – são reiterados alertas efetuados pelos líderes das indústrias do Mar que explicam a desaceleração da economia azul no período 2018 a 2019. A comparação da evolução verificada no ano de 2018 com a evolução anual média do período 2012-2017 é esclarecedora: o movimento de mercadorias decresceu 3 milhões de toneladas, quando vinha a crescer em média mais de 5 milhões, por ano e o número de hóspedes nos destinos de praia e de Mar do Algarve, Madeira e Açores baixou em 56 mil, quando estava a crescer 300 mil, por ano. A fileira alimentar do Mar foi umas das poucas indústrias do Mar que conseguiu manter positivo o seu crescimento das exportações.
Aparentemente, nos últimos dois anos, a estrutura do “navio economia azul”, começou a dar perigosos sinais de desgaste. Infelizmente, como toda a economia nacional e internacional, a Economia do Mar portuguesa enfrenta agora uma tempestade adicional, a tempestade provocada pela pandemia, que traz uma característica diferente de todas as outras tempestades económico-financeiras anteriores, que é a necessidade de distanciamento social e a consequente paralisação do setor que mais tinha contribuído para o crescimento da Economia do Mar, que foi o setor do turismo azul.
Sem aviso prévio, a pandemia criou múltiplas disrupções. A hotelaria, a restauração, os cruzeiros e os desportos náuticos foram interditos durante semanas. A ausência da restauração nas compras em lota fez descer dramaticamente o valor da primeira venda de pescado. O frágil equilíbrio financeiro das empresas foi desafiado. O encerrar de fronteiras fez decrescer o comércio internacional reduzindo a necessidade de transporte marítimo.
Embora discreta, existe uma forte “Ala Azul” que está na linha da frente do combate aos impactos sanitários, económicos e sociais da pandemia, utilizando o Mar, os rios e os lagos para tentarem garantir um presente e um futuro a Portugal. Todos os dias, pescadores zarpam dos portos de pesca para garantir que não faltam alimentos vindos do Mar. Os trabalhadores da aquacultura, da indústria de transformação do pescado (conservas e congelados) e da distribuição de produtos alimentares, à semelhança dos pescadores, corajosamente enfrentam o risco sanitário e contribuem para garantir o fornecimento de alimentos a uma população confinada.
Marinha e Polícia Marítima, em conjunto com outros ramos das forças armadas e demais forças de segurança, continuam a desempenhar em pleno a sua missão e, respondendo ao apelo efetuado, deram um apoio adicional ao sistema nacional de saúde e de proteção civil. Nos portos comerciais, a azáfama de todos os trabalhadores da cadeia logística é grande, carregamentos e descarregamentos de bens essenciais não podem parar, sob pena de um agravamento da difícil situação em que vivemos. Comandantes e tripulações do transporte marítimo garantiram o abastecimento às ilhas dos arquipélagos da Madeira e dos Açores, que estavam com severas limitações de voos. A “Ala Azul” da linha da frente contra os efeitos da pandemia tem estado bastante ativa e merece de todos nós um merecido reconhecimento pelas vitais funções que tem desempenhado.
Apesar de ainda estarmos a meio desta crise pandémica, tornando difícil prever o seu desfecho, alguns pontos de reflexão começam a ganhar forma. Nomeadamente, a necessidade do indispensável reforço do investimento em setores críticos do Mar, o apoio a soluções de financiamento que garantam liquidez no curto prazo, a redução da burocracia e a adoção de medidas fiscais favoráveis ao investimento e à manutenção dos postos de trabalho.
A invisibilidade e imprevisibilidade da atuação do vírus tornam ainda mais difícil a navegação nesta tempestade, fazendo com que seja vital reforçar o espírito de cooperação e de solidariedade entre todas as entidades do Mar, por forma a ser possível mitigar os impactos negativos associados à atual crise sanitária. O reforço da cooperação será fundamental para conseguirmos contornar o Cabo das Tormentas, ultrapassando este pesadelo. Nesse momento, como Luís Vaz de Camões descreve no episódio da Tempestade, daremos todos graças a Deus.
As graças a Deus dava, e razão tinha,
Que não somente a terra lhe mostrava
Que, com tanto temor, buscando vinha,
Por quem tanto trabalho experimentava,
Mas via-se livrado, tão asinha,
Da morte, que no mar lhe aparelhava
O vento duro, férvido e medonho,
Como quem despertou de horrendo sonho.
Autor: Dr. Miguel Marques
Economista, Sócio da PricewaterhouseCoopers (PwC)