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O Projeto de Extensão da Plataforma Continental de Portugal

Dra. Isabel Botelho Leal e Dr. Nuno Paixão

01/01/2021

Para quem segue com alguma regularidade as notícias e desenvolvimentos ligados à temática do Mar, o conjunto de assuntos normalmente referidos pela maioria dos meios de comunicação social concentra-se em áreas mais “tradicionais” que, no fundo, têm acompanhado a História de Portugal e contribuído, de uma forma ou de outra, para importantes evoluções sociais e económicas.

O sector das pescas é, claramente, uma das áreas privilegiadas por esta maior atenção mediática. Em anos mais recentes outros setores têm vindo a ganhar uma maior importância, sobretudo em razão do seu contributo para economia nacional: os portos, a aquacultura ou o turismo.

Embora o projeto de extensão da plataforma continental tenha sido iniciado há mais de 15 anos, em agosto de 2017 voltou a “competir” no espaço mediático com aqueles setores mais tradicionais ligados ao mar de Portugal. Foi precisamente nesta altura que se iniciou a última fase do Projeto de Extensão com o início da sua avaliação pela Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC) da Organização das Nações Unidas (ONU).

A proposta portuguesa tinha sido entregue na ONU em maio de 2009 (a 44ª a dar entrada na CLPC) com uma dimensão aproximada de 2.150.000 km2. A 1 de agosto de 2017 foi entregue uma Adenda à Proposta, baseada nos dados de batimetria, geologia e geofísica, recolhidos desde 2009. Esta Adenda inclui um novo limite exterior da Plataforma Continental com uma área aproximada de 2.400.000 km2.

Decorridos oito anos desde a entrega da Proposta portuguesa, apenas a 24 de julho de 2017 a CLPC procedeu à designação dos sete membros que compõem a subcomissão encarregue de analisá-la. É no âmbito desta subcomissão que decorre a avaliação da Proposta, eminentemente de carácter técnico e científico, suportada pelas disposições jurídicas relevantes da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM).

Esta subcomissão, tal como todas as subcomissões que analisam outras propostas de extensão da plataforma continental, é composta por 7 dos 21 membros da CLPC. Todos os membros da CLPC são especialistas nas áreas da hidrografia, geologia e geofísica.

Os membros da Comissão são eleitos para mandatos de cinco anos, em reunião dos Estados Partes da CNUDM, por maioria de dois terços dos Estados presentes e votantes, podendo ser reeleitos. Prestam serviço a título pessoal e são eleitos com base na sua especialização científica e técnica, devendo exercer funções com carácter de imparcialidade, não representando os interesses do Estado que patrocinou a sua candidatura.

No caso de Portugal os 7 membros da subcomissão são oriundos de Trinidad e Tobago, Malásia, Madagáscar, Omã, Rússia, Camarões e Canadá.

Desde agosto de 2017 já tiveram lugar 23 reuniões de trabalho (em 9 sessões da CLPC) em Nova Iorque. O Estado Português esteve representado, na componente técnico-científica, por uma delegação da Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental (EMEPC) com o apoio diplomático da Missão Permanente de Portugal junto das Nações Unidas.

Depois de terminada esta fase, as recomendações da Subcomissão serão levadas para aprovação ao plenário da Comissão de Limites (constituída pelos 21 Comissários).

Embora não seja possível fazer uma previsão sobre a conclusão deste processo, sobretudo devido ao ritmo de trabalhos da CLPC (que reúne apenas três vezes por ano) e aos atrasos provocados pela pandemia COVID-19 que já levou ao adiamento de duas sessões da CLPC, podemos afirmar com alguma segurança que as recomendações só serão conhecidas dentro de alguns anos.

Neste contexto importa sublinhar que após a emissão das recomendações competirá única e exclusivamente ao Estado costeiro a sua aceitação ou, em alternativa, a apresentação de uma proposta revista junto da CLPC.

Na sequência das recomendações já emitidas, foram várias as reações dos Estados – seis Estados (México, Irlanda, Filipinas, Austrália, Paquistão e Rússia[1]) aceitaram as recomendações e procederam ao depósito das coordenadas geográficas do limite exterior da plataforma continental junto do Secretário-Geral das Nações Unidas; quatro Estados (Barbados, Rússia, Argentina e Brasil) apresentaram seis propostas parciais revistas; outros Estados, como o Reino Unido, as Ilhas Cook, a Islândia, a África do Sul, Papua Nova Guiné e Ilhas Salomão, não aceitaram as recomendações e/ou criticaram expressamente a Comissão.

A única certeza, confirmada pela análise das recomendações já emitidas é que o desenho final dos limites exteriores da Plataforma Continental será seguramente diferente do desenho inicialmente proposto pelo Estado costeiro.

A Proposta portuguesa é baseada no melhor conhecimento científico em áreas tão relevantes como a geologia, hidrografia, geofísica, sistemas de informação geográfica, oceanografia, biologia, robótica submarina e direito internacional público.

A conjugação do trabalho nestas áreas bem como a recolha e análise de dados, nomeadamente em campanhas oceanográficas, tem decorrido de forma permanente, de forma a responder a todas as questões que têm vindo a ser colocadas pela CLPC desde 2017.

Esta atualização permanente do conhecimento científico só tem sido possível graças à colaboração entre várias entidades nacionais e estrangeiras, públicas e privadas, merecendo um destaque especial o Instituto Hidrográfico da Marinha Portuguesa.

Embora em alguns casos ainda pouco visíveis, existem já alguns resultados palpáveis de todo este processo, os quais merecem ser referidos:

  • Mais know-how e mais visibilidade com a demonstração de conhecimento e capacidade científica e tecnológica no domínio alargado das ciências do mar;
  • Reforço da posição de Portugal em matérias relativas ao mar e ao oceano;
  • Desenvolvimento de novos equipamentos e novas tecnologias, incrementando a capacidade operacional no acesso ao mar profundo;
  • Investimento continuado em desenvolvimento científico através do apoio a projetos de investigação e estabelecendo parcerias com laboratórios, institutos e universidades, a nível nacional e internacional.

Os benefícios decorrentes deste Projeto terão a sua máxima expressão nas gerações futuras. Até lá, Portugal continuará a trabalhar para a consolidação do conhecimento sobre o mar profundo, prosseguindo a consolidação da sua estratégia para o desenvolvimento sustentável do “nosso” mar.

Profundidades

Profundidades

[1] A Rússia, à semelhança de outros Estados, apresentou várias submissões parciais para a extensão da plataforma continental.

Autor: Dra. Isabel Botelho Leal e Dr. Nuno Paixão

Responsável da EMEPC / Adjunto da Responsável da EMEPC