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A Pirataria Marítima continua a Flagelar a Região do Golfo da Guiné
Cap. M. G. Henrique Portela Guedes
01/12/2021

Imagem do filme "Captain Phillips, de Paul Greengrass Columbia Pictures, 2013
A pirataria marítima continua a assolar a região do Golfo da Guiné (GG) e não dá tréguas à navegação mercante que por aí passa diariamente. Este golfo está localizado na parte sudeste do Oceano Atlântico e as suas águas banham a Costa Ocidental de África, ao longo de cerca de 6000km, desde o rio Senegal, no Senegal, à foz do rio Cunene, em Angola. Nos últimos anos o GG adquiriu uma grande importância geoeconómica e geostratégica não só devido aos seus enormes recursos haliêuticos e de hidrocarbonetos, mas também por se ter tornado uma rota marítima de grande importância no transporte de produtos entre a África Central/Austral e o resto do mundo. Estima-se que diariamente cruzam as águas do GG cerca de 1500 navios.
A insegurança marítima que se vem vivendo nesta zona nos últimos anos, fez despertar a atenção da comunidade internacional para esta realidade e, consequentemente, fê-la agir e aplicar um conjunto de medidas com o intuito de minimizar a atual situação. Esta região vem sendo assolada por uma miríade de crimes marítimos, dos quais se destacam, entre outros, a pesca ilegal, o contrabando, os tráficos de armas e de drogas, a pirataria marítima e os Assaltos à Mão Armada Contra Navios[1] (AMACN). Os dois últimos são, sem dúvida, aqueles que mais afetam a indústria marítima e, naturalmente, o comércio global. Apesar dos esforços que a comunidade internacional, em geral, e as organizações regionais e os Estados da região, em particular, vêm realizando no seu combate, a situação continua extremamente preocupante e está longe de estar resolvida.
O número de atos de pirataria e AMACN tem-se mantido elevado ao longo dos últimos anos. Entre os anos 2000 e 2020 ocorreram 1073 ataques de piratas nestas águas, segundo o IMB[2]. Admite-se que apenas metade dos atos ocorridos tenham sido reportados, pelo que, a ser assim, a realidade é bem pior do que se imagina.
Esta é a zona do globo onde a segurança marítima tem estado mais ameaçada desde que foi controlada a situação apocalíptica que se viveu, entre 2008 e 2012, nas águas da Somália e do Golfo de Adem, onde ocorreram, neste período de tempo, 850 atos de pirataria e AMACN, segundo o IMB. Este tipo de atividade, durante esses 5 anos, custou à economia mundial mais de $20 mil milhões (cerca de um décimo do PIB português em 2020). O ano de 2011 foi o pior de todos com 236 ocorrências[3], das quais resultaram 27 navios sequestrados.
Apesar da situação na região do GG não ser ainda tão dramática como foi a da Somália, não restam dúvidas que navegar atualmente nesta zona representa, sem dúvida, uma grande preocupação quer para as empresas de navegação, quer para as tripulações dos navios, quer, ainda, para a comunidade internacional em geral, atendendo aos riscos a que a navegação mercante está exposta quando atravessa o GG.
Há mais de uma década que vários governos da região, agências internacionais, organizações regionais, entre outros organismos e Estados, com interesses neste golfo, vêm envidando esforços para combater a pirataria marítima e os AMACN. O grande impulso nessa tarefa herculana foi dado em 2013, com a cimeira de Yaoundé, realizada nos Camarões, que reuniu os Chefes de Estado e de governo dos Estados da África Central e Ocidental. Esta teve o seu enfoque nos aspetos da segurança no domínio marítimo comum e dela resultou uma nova Arquitetura regional de segurança marítima para o GG e a adoção do código de Conduta de Yaoundé, o qual veio dar alguma dinâmica ao combate à pirataria e aos AMACN na região. Países como os Estados Unidos, a França, Portugal, entre outros, que já vinham a colaborar com regularidade com os Estados da região, passaram, desde então, a estar ainda mais envolvidos na segurança marítima desta área. A edificação de capacidades nestes países passou a ser uma prioridade, com o objetivo de que sejam eles próprios a combater a pirataria na região.
Com o apoio da comunidade internacional foram construídos diversos Centros de coordenação na África Central e Ocidental, oferecidos meios navais, dada formação e realizados diversos exercícios navais, o que, em muito, tem contribuído para o adestramento dos militares das Marinhas deste golfo. Contudo, erradicar este fenómeno é uma missão impossível, pois as suas causas são tão diversificadas e numerosas, que é uma utopia pensar-se que se vai encontrar uma solução para todas elas por forma a acabar com ele.
A pirataria e os AMACN, apesar de ocorrerem no mar, estão sempre associados às condições existentes em terra. Tirando pontualmente alguns aspetos que são endémicos à região onde estão presentes, todos os outros são comuns a todas elas, como sejam, a falta de condições sociais, o desemprego, a pobreza, a corrupção, a marginalização, o elevado crescimento demográfico, normalmente dos escalões etários mais jovens, etc. Portanto, enquanto a pirataria marítima e os AMACN forem lucrativos e não existirem outras formas alternativas de subsistência em terra, estes continuarão a expandir-se.
A União Europeia continua ativa no combate à pirataria e aos AMACN no GG.
A União Europeia lançou recentemente no GG, em 25 de janeiro de 2021, um novo projeto piloto designado por “Presenças Marítimas Coordenadas” (PMC). Este conceito de PMC surgiu na sequência da reunião informal dos ministros da defesa, que ocorreu em Helsínquia, na Finlândia, em 28 e 29 de agosto de 2019. O Conselho adotou as conclusões dessa reunião, em 17 de junho de 2020, as quais, em conformidade com a Estratégia e Plano de Ação de Segurança Marítima da EU, deram então origem às PMC.
O grande objetivo destas é aumentar a capacidade da UE como parceiro fiável e fornecedor de segurança marítima, proporcionando um maior envolvimento operacional europeu. Desta forma será assegurada uma presença marítima permanente nas zonas marítimas de interesse, tal como estabelecido pelo Conselho, promovendo, assim, a cooperação internacional e a parceria no mar. A EU poderá, deste modo, contribuir para a segurança da região do GG, utilizando os meios navais e aéreos dos Estados-membros, ficando a sua coordenação sob as cadeias de comando nacionais. Os países com meios na área podem cooperar através da Célula de Coordenação da Área Marítima de Interesse, sediada no Estado-Maior da UE, utilizando a rede MARSUR, solução técnica desenvolvida pela Agência Europeia de Defesa e que permite a troca de informações operacionais.
Portugal, essencialmente através da sua Marinha, tem vindo a combater a pirataria e os AMACN há mais de uma década.
A região do GG, pela sua relativa proximidade a Portugal, pelo facto de nela se localizarem vários países de língua oficial portuguesa e, ainda, porque é desta zona que provêm parte dos hidrocarbonetos que consumimos, tem merecido, ao longo dos últimos anos, uma grande atenção e apoio por parte do Estado português, no que diz respeito ao combate a este flagelo.
A Marinha Portuguesa tem vindo a organizar e a participar, de forma contínua, há mais de uma década, na “Iniciativa Mar Aberto”. Este tipo de missão, que tem como objetivo a cooperação e a capacitação marítima de países africanos, nomeadamente os de língua oficial portuguesa, tem contribuído para o fortalecimento da segurança marítima no GG.
Outro dos grandes contributos que a Marinha vem dando, desde há alguns anos a esta parte, é o permanente apoio prestado pelo Portuguese Navy Shipping Centre, que se encontra instalado no seu Comando Naval, e que faz o acompanhamento e o aconselhamento da navegação mercante e lúdica de bandeira nacional[4], 24 horas por dia e 7 dias por semana. Este Centro monitoriza um vasto leque de ameaças marítimas a nível mundial, convencionais e assimétricas, entre as quais se inclui a pirataria marítima e os AMACN, e produz e divulga relatórios semanais, trimestrais e anuais, bem como avisos e alertas sempre que a segurança marítima assim o exige.
Para reforçar ainda mais o contributo de Portugal para a segurança da navegação na região do GG está já em edificação, na Ilha Terceira, na Base das Lajes, o “Atlantic Centre”, que se espera venha a ser uma Organização internacional que promova o reforço da capacidade de defesa do Atlântico e que funcione como um Centro Multilateral de Excelência. Espera-se que este venha a ser uma plataforma de reflexão entre países, de diálogo e de definição de estratégias com vista à promoção da segurança marítima para todos os 66 Estados costeiros do Atlântico. Contudo, e devido à insegurança que lá se vive, este Centro irá dar, para já, mais enfoque à região do Golfo da Guiné. Apesar de ainda não ter a sua estrutura física concluída, já ocorreu a sua cerimónia oficial de lançamento, em 14 de maio de 2021, tendo a mesma contado com a presença do Ministro da Defesa Nacional. Nela se procedeu à assinatura de uma declaração conjunta por parte de 16 países[5], de três continentes, os quais se comprometeram a desenvolver o “Atlantic Centre”. Este Centro já tem vindo a desenvolver algumas atividades, tais como Seminários e Cursos, constituindo, sem dúvida, uma esperança para a segurança na região do Golfo da Guiné.
[1] Atos ilícitos idênticos aos da pirataria só que cometidos no mar territorial ou em águas interiores. O mar territorial consiste numa zona marítima, sob soberania nacional, que vai até às 12 milhas náuticas, contadas a partir da “linha de costa” (linha de base reta ou normal) de um Estado. Uma milha náutica são 1852 metros.
[2] O International Maritime Bureau (IMB) faz parte da International Chamber of Commerce, que é uma Organização internacional fundada em 1919 e que trabalha para promover e suportar o comércio internacional e a globalização.
[3] De acordo com o IMB.
[4] O Registo Internacional de Navios da Madeira (MAR) já é atualmente um dos maiores da Europa. Em 15 de fevereiro de 2020 estavam inscritos neste mais de 560 navios mercantes e 118 embarcações de recreio.
[5] Alemanha, Angola, Brasil, Cabo Verde, Espanha, EUA, França, Gâmbia, Guiné-Bissau, Guiné-Equatorial, Marrocos, Portugal, Reino Unido, Senegal, São Tomé e Príncipe e Uruguai.
Autor: Cap. M. G. Henrique Portela Guedes
Atual Adido de Defesa junto da Embaixada de Portugal na Alemanha