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A Sustentabilidade dos Oceanos

Contra-almirante ECN (Ref.) Victor Gonçalves de Brito

20/05/2024

A Sustentabilidade dos Oceanos

Terminada a Segunda Guerra Mundial, iniciou-se um período onde o conhecimento científico e tecnológico anterior, associado aos ensinamentos da própria guerra e aos programas económicos de recuperação após conflito, permitiu a satisfação dos objectivos estratégicos das potências politicamente dominantes e um consumo desregrado nas sociedades com maior poder de compra. Hoje, constata-se que esse processo de desenvolvimento e de consumo teve consequências prejudiciais e, em alguns casos, efeitos irremediáveis no ambiente, nos oceanos, na biodiversidade e em outros recursos naturais.
Reconhecendo as dificuldades em articular a efectiva melhoria de vida de grande parte das sociedades humanas nas diversas geografias, com a preservação ecológica, em 1983, as Nações Unidas convidaram a ex-primeira-ministra norueguesa Gro Harlem Brundtland para dirigir um estudo sobre Ambiente e Desenvolvimento. O relatório final da denominada “Comissão Brundtland”, sob o título “Our Common Future”, veio alertar para as consequências ambientais negativas do desenvolvimento económico e da globalização, e oferecer soluções para os problemas decorrentes da industrialização e do crescimento populacional; é nesse relatório que surge a definição de desenvolvimento sustentável que continua válida nos dias de hoje:

A sustentabilidade consiste em atender às necessidades das gerações actuais sem comprometer as necessidades das gerações futuras, garantindo ao mesmo tempo um equilíbrio entre o crescimento económico, o respeito pelo meio ambiente e o bem-estar social.

Fixando a presente abordagem na sustentabilidade dos oceanos refere-se que estes têm uma dimensão tal que os danos ou alterações provocados por elementos antropogénicos, dificilmente podem ser compensados; em regra as soluções sustentáveis serão ou a eliminação do elemento perturbador ou a passagem de algum tempo para permitir a regeneração.
Os oceanos articulam directamente com a atmosfera através da interface/superfície do mar. Assim, para além das situações que se desenvolvem no domínio exclusivo dos oceanos, estes e a atmosfera formam um sistema complexo e interdependente, permutando através da referida interface superficial gases, água e vapor de água, partículas e energia. Esta articulação influencia os processos biológicos, químicos e físicos do oceano, o ciclo da água e o clima. Os oceanos afectam o clima terreste através dos efeitos de longo prazo das alterações a que estão sujeitos e o aquecimento global da atmosfera aumenta a temperatura dos oceanos nas camadas superficiais, reduzindo a oxigenação e produzindo alterações nos recursos vivos que existem em águas menos profundas. Os oceanos são um reservatório “gigante” de CO2, que tem efeitos críticos nas alterações climáticas.

A extensão oceânica e a relativa ausência de controlos eficazes no aproveitamento dos recursos existentes, tem originado danos, alguns dos quais irreversíveis, assinalando que o conceito de sustentabilidade, ou não chegou a tempo ou não foi levado a sério; mencionam-se algumas situações:

– Espécies de peixe, moluscos e outros recursos, desaparecidos ou com stocks fortemente afectados por razões de poluição, danos nos habitat ou por sobrepesca;

– Contaminação localizada pelo uso excessivo de antibióticos e de outros medicamentos em plataformas oceânicas de aquicultura;

– Derrames em navios e plataformas afins, afundados com resíduos, líquidos ou sólidos, tóxicos ou perigosos. Os afundamentos podem ser acidentais ou decorrentes de acção deliberada;

– Efeitos de resíduos nucleares ou outros, tóxicos, deliberadamente afundados em contentores entretanto danificados ou corroídos;

– Águas residuais e outras descargas poluentes, acidentais ou deliberadas, provenientes de instalações terrestres;

– Materiais sólidos flutuantes arrastados para o mar a partir de áreas terrestres e que, fruto das correntes oceânicas, se deslocam e permanecem a flutuar em largas áreas, afectando a oxigenação das camadas superficiais;

– Plásticos que desagregaram ao longo do tempo, ficando com dimensões micrométricas e entrando na cadeia alimentar das espécies marinhas;

– Derrames em navios em trânsito, de águas oleosas ou de outros líquidos embarcados, em resultado de acidentes ou decorrentes de acções deliberadas;

Em virtude de actualmente existir conhecimento mais aprofundado dos efeitos danosos da exploração desregrada dos recursos, da maior sensibilização social para a preservação dos activos e para a recuperação aonde tal ainda seja possível, verifica-se que existem hoje condições para se melhorar o par “usufruto-preservação” no que diz respeito aos mares e oceanos, seja em áreas de jurisdição dos Estados seja nas extensas áreas a cargo da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos.

Antevê-se que a situação onde a curto prazo existe maior risco de pressões de exploração, sobretudo em zonas profundas sensíveis e onde o conhecimento e a avaliação dos riscos são ainda insuficientes, é a mineração dos fundos marinhos. Espera-se que nos decisores prevaleça a capacidade de resistir ao argumento optimista das “medidas de compensação” cujo resultado de aplicação em outros sectores e situações, têm sido desastrosos.

Quanto ao transporte marítimo, enquanto importante utilizador dos oceanos, assinala-se que nas últimas décadas o crescimento da economia global impulsionou a respectiva importância e aumento quantitativo em número de navios, em capacidade de carga e na especialização no transporte. Anota-se de modo muito positivo a implementação de diversas convenções internacionais sobre segurança e de outra regulamentação internacional aplicável às frotas marítimas, medidas que contribuíram para a redução percentual do número de acidentes graves e a redução de vários efeitos poluentes das águas. A questão mais complexa por resolver – a “descarbonização” do transporte marítimo / substituição dos combustíveis de origem fóssil – mantém-se na ordem do dia, procurando-se combustíveis alternativos que têm sido estudados e testados em diversos navios, sem se ter ainda concluído qual será a melhor opção. Tendo presente que é essencial conseguir a sustentabilidade do transporte marítimo, reduzindo drasticamente ou eliminando a respectiva “pegada carbónica”, afigura-se ser esta uma prioridade e um dos mais complexos problemas a resolver nos tempos mais próximos.

Autor: Contra-almirante ECN (Ref.) Victor Gonçalves de Brito