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A Marinha Mercante Nacional
Joaquim Monteiro Marques
30/06/2021

As superestruturas do porta contentores português Laura S (GS_Lines), durante uma escala no porto da Graciosa, em julho de 2017 (imagem MM Betencourt)
Este singelo “depoimento” é, naturalmente, subjectivo, mas traduz o sentimento fruto de muitos anos de formação, experiência e sobretudo vivência no que o título documenta, e que parafraseando o Comandante da Armada António Pereira de Matos, que foi o grande impulsionador e timoneiro da Liga Naval Portuguesa, que a nossa Confraria Marítima em boa hora integrou, leva a afirmar que, a Marinha Mercante Portuguesa, chegou ao “zero absoluto”.
Vem o título, propositadamente e a propósito, enfatizar a razão da designação Nacional, tão ao gosto do Estado Novo, em que não só no Estado, mas também nos empreendedores privados, se perseguia uma ideologia nacional, a qual recorrentemente incluía o adjectivo na sua própria designação comercial (Companhia Nacional de Navegação, Fábrica Nacional de Cordoaria, Fábrica Nacional de Sabões, Bolachas Nacional, etc.) e que tinha como objectivo estimular o caracter da produção e consumo a um todo território unido sob as mesmas Língua, História e Bandeira, e que se pretendia ser uno e continuado e indivisível.
Foi assim que o ressurgimento da Marinha Mercante Nacional foi feito, maioritariamente pelo Estado, mas com a grande e imprescindível participação dos privados que a ela estavam ligados. E isto porque a Marinha Mercante foi reerguida estrutural e economicamente para uma realidade Nacional que compreendia muito bem o Portugal Continental, Insular e Ultramarino e compreendia muito mal a competitividade e o mercado do transporte marítimo internacional.
Deveremos ser justos com algumas empresas que, com maior alcance e alicerçadas nos grupos que integravam, como foi o caso do armador Sociedade Geral, integrante do mundo CUF – Companhia União Fabril, já nos idos anos 50 e 60 do século XX estabeleciam carreiras internacionais, escalando regularmente portos do Norte da Europa e Estados Unidos, não só para descarga de produtos ultramarinos, carreira que nunca menosprezaram, mas sendo competitivas também com as demais frotas mercantes internacionais nos transportes marítimos, muito para além da realidade nacional portuguesa. Mas foi esta realidade que sobretudo moldou o ressurgimento, a partir do pós-guerra 39/45, já que se intensificaram com o Portugal Ultramarino as trocas comerciais e os transportes de passageiros, estes com a construção de paquetes (designação dos navios cuja velocidade e número de portos escalados permitiam serem utilizados no transporte de correio), navios em quase tudo similares aos “ocean liners” internacionais, mas também, e não despicientemente, transportando nos seus porões quantidades muito apreciáveis de carga, sendo frequentemente “cargueiros” disfarçados de paquetes (como p/ ex.º os “NT Pátria” “NT IMPÉRIO” “NM ANGOLA” “NM MOÇAMBIQUE”, cujas T.A.B. eram cerca de 13.000 e as T.A.L. de cerca de 7.000).
Essa realidade económico-político-comercial, a que não seria de modo algum estranho o “proteccionismo de bandeira” que assegurava uma não concorrência das outras marinhas mercantes não nacionais nos transportes de e para o Portugal Ultramarino, condicionava praticamente tudo: os financiamentos à construção, as taxas e os serviços das dívidas e também, como nos exemplos atrás citados, o próprio tipo de construção dos navios, ajustado sobretudo quer à tipologia não só das cargas ultramarinas, como também dos passageiros que as utilizavam, não só nos transportes metrópole – ultramar, mas, e também, nos transportes de passageiros inter – ultramar, observando-se com frequência nos navios de carga a existência de cobertas superiores dotadas de vigias em ambos os bordos para os transportes de tropa/trabalhadores-contratados, em camaratas então montadas para o efeito e sendo o caso, nessas cobertas.
No final da década de 60 do século XX a Marinha Marcante Nacional atingia o seu apogeu, quer em número de navios existentes (mais de 100), em construção e em compra a outras marinhas e/ou estaleiros, quer em transporte de passageiros (com uma capacidade superior a 8.000) quer ainda de carga (com uma arqueação total superior a 1 milhão de T.A.B) o que fazia dela, Marinha Mercante, mas apenas de per si, uma das melhores da Europa e das mais reconhecidas, quer pelas qualidades dos seus profissionais, quer pela apresentação e qualidade dos seus navios.
Logo no início da década de 70 do século passado, o crescimento abrupto, inesperado, mas eficiente e ultra rápido do transporte aéreo de passageiros, com a ocorrência dos motores a jacto, tornaram o transporte marítimo de passageiros rapidamente obsoleto, quer em tempo (7 dias de Lisboa a Luanda via marítima contra 7 horas via aérea) quer em preço, conseguindo as companhias aéreas oferecer valores de transporte aéreo inferiores aos do marítimo. Assim e de uma assentada, ainda antes da fracturante data de 1974, praticamente todos os paquetes foram vendidos (“SANTA MARIA”, “VERA CRUZ”, “PÁTRIA”, “IMPÉRIO”, “UÍGE”, “ANGOLA”, “MOÇAMBIQUE” “ÍNDIA “, “TIMOR”, ANGRA DO HEROÍSMO”, “AMÉLIA DE MELLO”, ficando a agonizar os “flâmulas” “INFANTE DOM HENRIQUE”, “PRÍNCIPE PERFEITO” e “FUNCHAL” (este o último e único existente, mas de duvidoso futuro…)
Quando estalou o 25 de Abril de 1974, a “revolução francesa” da nossa realidade multi racial, geográfica, social e política, tudo teve de ser, ou teria de ser, reequacionado. A Marinha Mercante Nacional também. Só que o não foi. A vertiginosa queda da procura de transporte no ultramar, concomitante com a também abrupta quebra da produção agrícola e fabril, tornou a nossa frota mercante desajustada e incapaz de concorrer a um mercado internacional de transporte marítimo, já na altura excedentária face, e sobretudo, à primeira crise petrolífera de 1973. Para além desta realidade material, sobrepôs-se a realidade política, quer na precipitada independência concedida aos Estados de língua oficial portuguesa, quer na reorganização político-social do Estado, o que deixou, e ainda marca, profundas cicatrizes nos tecidos socioeconómicos, a que a Marinha Mercante não foi furtada, e que predisse a sua extinção.
Poder e dever-se-á argumentar que outros tantos países europeus, alguns deles sem mesmo terem Mar, mantêm e frutificam as “suas” Marinhas Mercantes. Reconhecemos que isso é verdade, mas sem o artigo possessivo. É que presentemente as marinhas, e também os portos e de algum modo as grandes empresas, perderam as suas “nacionalidades” e são conhecidas e negociadas, não como Noruegueses, Suecos, Espanhóis ou Portugueses, mas como pelos grupos a que pertencem MAERSK, NEDLLOYD, MSC, PSA, PRISA, GALP, PORTUGAL TELECOM, etc., em que os capitais, ao arrepio da realidade portuguesa anterior, são internacionais e frequentemente de difícil assumida nacionalidade.
Por último, a Europa.
Quando em 1986 integrámos esta Comunidade Económica, e passados uns escassos 6 anos, a União Europeia, sendo esta para além de económica uma comunidade política, com Justiça própria, com uma política externa e de segurança comum, e ainda uma união económica e monetária, perguntamos: onde, e para quê o Nacional? Pertencemos, de facto e de jurae, a uma realidade sociopolítica única, supostamente una, identitária e de largo valor acrescentado, em que as potencialidades e as sinergias se não compadecem com o conceito de Nação, tanto ou tão pouco quanto ele valha nestes nossos novos tempos, que tão experimental e curiosamente estamos a viver e a dar deles testemunho.
Termino com uma palavra de esperança, e ela chama-se Europa. Se soubermos tirar deste conjunto singular de Almas, História, Culturas, Experiências e Vidas tão díspares, a mais-valia de programarmos a nossa vida comunitária com os mesmos princípios de especialização das nações, com que David Ricardo veio caracterizar e fomentar quer o comércio internacional quer o liberalismo económico, pode ser que emerja uma nova Marinha Mercante, não Nacional mas Europeia, onde o know-how dos nossos profissionais, tão bem preparados pelas nossas Escolas de Marinha e Marinhagem, e sobretudo com a vocação para o Mar, tão evidente nos Portugueses e já tão esparsa nesta Europa, venha a ser a nossa contribuição para essa nova realidade.
Autor: Joaquim Monteiro Marques
Capt. MM / Lic. Gestão e Administração Pública – ISCSP / Pós Grad. em Transporte Marítimo Gestão Portuária e Intermodalismo – IST / Vice-presidente da Confraria Marítima