Artigos

O Mar no Plano de Recuperação e Resiliência

Jorge Roque de Pinho d'Almeida

31/03/2021

Eu vou tomar como adquirido que o leitor está convencido que Portugal deve apostar na economia do mar. Se não estiver, eu recomendo a leitura do artigo intitulado “Portugal e o Mar” da autoria do Contra-almirante António Bossa Dionísio, Presidente da Direção da CMP-LNP, publicado na Newsletter de março de 2021. Sendo assim, é lícito perguntar: por que razão o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) ignora, quase literalmente, a economia do mar. Antes de oferecer uma resposta, é útil olhar para alguns números.

A Economia do Mar na União Europeia

A partir de 2018, a Comissão Europeia passou a publicar anualmente um relatório (“Annual Economic Report on EU Blue Economy”), que avalia o desempenho e o progresso de setores tradicionais, como construção naval, portos e transportes, mas também setores emergentes, como biotecnologia azul, mineração e dessalinização. O Pacto Verde Europeu veio reforçar a importância da Economia Azul ao colocar no epicentro da política europeia a redução das emissões de gases de estufa e a aposta na inovação por via da investigação e desenvolvimento.

O relatório de 2020, com dados de 2018, mostra que a Economia Azul representa um valor acrescentado bruto (VAB) de €218 mil milhões de euros por ano e 5 milhões de empregos, ou seja 1,6% do VAB e 2,2% do emprego na EU27 + RU.  Portugal está acima da média europeia, com quotas de 3,2% e 5,5%, respetivamente, mas abaixo de países com tradição marítima como Grécia, Dinamarca, Estónia, Croácia, Chipre e Malta, como se mostra a seguir.

 

VAB Emprego
Portugal 3,2% 5,5%
Grécia 5,2% 14,2%
Dinamarca 4,3% 4,6%
Estónia 4,3% 7,2%
Croácia 8,4% 10,6%
Chipre 6,0% 10,0%
Malta 6,6% 11,7%

 

Note-se que os números de Portugal são fortemente influenciados pelo peso do turismo costeiro, que contribui com 2,5% do VAB e 4,4% do emprego. A crise de saúde pública que atravessamos demonstra a fragilidade da nossa economia, demasiado dependente do turismo.

A importância do shipping

Os dados sobre Portugal são particularmente reveladores quando analisamos o peso do transporte marítimo na Economia Azul. Comparando com três países de referência – Reino Unido, Dinamarca e Grécia – que balizam Portugal em termos de área continental, orla marítima, população e produto interno bruto (PIB), constatamos a nossa preocupante debilidade:

 

VAB Emprego
Portugal 1,4% 0,7%
Reino Unido 10,5% 4,5%
Dinamarca 40,2% 22,1%
Grécia 13,3% 3,8%

 

Este quadro, onde a Dinamarca se destaca devido ao peso específico da Maersk, ajuda a perceber porque é que, não obstante a apregoada vocação marítima nacional, Portugal ocupa a 67ª posição no ranking do shipping mundial, atrás de países como Luxemburgo e Banghladesh, no ranking publicado periodicamente pela Menon Economics. Lisboa, que já foi a maior capital marítima mundial, nem sequer é mencionada no ranking das capitais marítimas publicado pela mesma fonte. É importante frisar que a atividade de shipping vai muito além do transporte marítimo, pois engloba um largo conjunto de serviços conexos, tais como serviços de gestão em terra (tripulações, aprovisionamento, etc), agenciamento, corretagem, seguros, inspeções e certificação de classe, serviços jurídicos e serviços financeiros. O shipping é igualmente crucial no apoio a atividades off-shore, tais como geração de energias renováveis, exploração de minerais na plataforma continental e combate à poluição dos oceanos.

Contudo, quando tomamos, como exemplo, o emprego de profissionais marítimos, custa aceitar a insignificância de Portugal no contexto europeu, onde ocupa a 22ª posição, de acordo com os dados da European Maritime Safety Agency (EMSA) referentes a 2018.

A Estratégia Nacional para o Mar e o PRR

Neste cenário seria de esperar uma aposta forte do PRR na economia do mar, com especial incidência no shipping. Em boa verdade, a “Estratégia Nacional para o Mar 2021-2030”, que esteve em consulta pública entre 28 de setembro e 2 de novembro de 2020, elenca um conjunto de objetivos estratégicos, consubstanciados em 160 medidas concretas, que são quase totalmente ignoradas no PRR. Dir-se-á que algumas dessas medidas são de longo prazo, pelo que caberão noutros programas, designadamente no Portugal 2030. Contudo, isso ignora a importância e a urgência de outras medidas.

O PRR, colocado em consulta pública entre 16 de fevereiro e 1 de março, compreende 19 componentes, 36 reformas e 77 investimentos. De uma forma explicita, a economia do mar aparece num único investimento: Desenvolvimento do “Cluster do Mar dos Açores”.

A primeira lei de Newton

Podemos voltar agora a colocar a pergunta: por que razão o PRR ignora a economia do mar? Como engenheiro, é fácil responder: por causa da primeira lei de Newton, a tal que postula:

“um corpo mantém o seu estado de repouso ou de movimento uniforme em linha reta, a menos que lhe seja aplicada uma força externa”.

É a chamada Lei da Inércia.

Reconhecendo a necessidade e urgência de uma força externa para alterar o estado de repouso da economia do mar em Portugal, um grupo de profissionais ligados ao mar tomou a iniciativa de lançar um repto aos nossos atores públicos (governo, autarquias, regiões) e privados (empresas, associações) no sentido de agirem rapidamente e de forma concertada na construção de uma ação de política pública que permita a Portugal assumir-se e cimentar-se como um destino para a atividade do shipping internacional. Esta iniciativa foi plasmada num Livro Branco, em que se estima um impacto potencial de 100.000 postos de trabalho e de €7 mil milhões ou 3,5% do PIB, se Portugal captar 5% do shipping europeu.

O próximo passo será a constituição da Associação 4Shipping (cuja escritura apenas aguarda disponibilidade administrativa), que terá como principal objeto a constituição de um Centro Internacional de Shipping, aliás contemplado na Estratégia Nacional para o Mar 2021-2030.

Fica aqui o convite para quem quiser apostar connosco neste desafio.

Autor: Jorge Roque de Pinho d'Almeida

Mestre em Engenharia Naval – Massachusetts Insttute of Technology (MIT) / Mestre em Gestão de Empresas (MBA) – New York University