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19/12/2024
![Submarino_4Maior (2)[3][1]](https://www.confraria-liganaval.pt/wp-content/uploads/2024/12/Submarino_4Maior-231.png)
Fomos detetados
Disse o Chefe de Máquinas.
Pouco passava da meia-noite de vinte e quatro de dezembro, com o submarino a fazer 12 nós, a duzentos e cinquenta metros de profundidade, em pleno Atlântico Sul.
O Comandante já estava de pijama, mas conservava entre os dentes um charuto Romeu & Julieta nº 2 apagado, e nos lábios, o último andamento do Adágio y Allegro, Opus 70, de Robert Schumann.
Como é que soube?
O Chefe informou-o de que o Operador de rádio tinha recebido uma mensagem vinda do outro lado.
O outro lado. Enquanto se começava a vestir, o Comandante pensou que o muro de Berlim dividia bastante mais o mar do que qualquer outra coisa. Até Tordesilhas. E fazia sentir-se ali, mais premente e presente, do que na maldita cidadezinha alemã.
Mas agora era necessário ir ver o problema, e o mais perto possível.
O Comandante gostava de música e de silêncio, e da mistura maravilhosa das duas coisas. Como em Claire de Lune, claro.
Ou na frase mágica de Sacha Guitry: o silêncio que se segue a um trecho de Mozart, ainda é de Mozart.
Já o Chefe, gostava de cremalheiras, cambotas e pistons, e considerava a música um ruidinho irritante de fundo, que o impedia de usufruir plenamente do maravilhoso barulho de um motor a funcionar à perfeição.
Aquele concerto de Natal tinha sido devidamente autorizado pelo Almirantado, juntamente com o programa.
Música de câmara, lírica e intimista. Schumann, Ravel, Schubert, e Debussy.
Nada dos arrebatamentos sinfónicos das cavalgadas orquestrais, que iam ser ouvidas de um polo ao outro.
Mesmo assim, tinham sido apanhados.
O Comandante tinha levado dois anos a formar aquela orquestra, quase aquele tempo todo para arranjar um segundo-violino em condições, e tinha-o finalmente arranjado fardado de eletricista num submarino gémeo do dele. E mesmo assim, por troca com um canalizador harpista que não lhe servia para nada a bordo.
E como é bom de ver, nem o eletricista percebia alguma coisa de eletricidade, nem o canalizador de canalizações, alguma coisa que dificilmente se ensina nos conservatórios.
Mas fosse como fosse, ele tinha acabado por constituir a sua orquestra de câmara. A um excelente quarteto de cordas, formado por três violinos e um violoncelo, tinha acrescentado um clarinete.
O Comandante vestiu um arremedo de farda, mesmo tendo em conta os padrões de vestuário usado no interior dos submarinos, e deslocou-se ao posto de rádio, acompanhado do Chefe.
O Operador de rádio passou um papel para as mãos do Chefe, que o passou para as do Comandante. O Comandante lamentou profundamente não poder fazer o mesmo com mais ninguém, e muito contrariado leu em voz alta:
Pedem para tocarmos a sonata à Kreutz
Naquele momento os três homens estavam absolutamente sozinhos no universo, tão separados da noite sideral que estava lá fora, como dos outros quarenta e nove homens que estavam ali confinados com eles.
E depois havia todos os outros. Aquelas missões seriam impossíveis, sem a certeza que todos tinham, de que lá em cima, alguém sabia onde é que eles estavam, e acompanhavam-nos no que fosse preciso. Era assim que a Marinha fazia com todos os seus, mas com os submarinistas ainda mais.
O problema era que do outro lado, também sabiam onde é que eles estavam.
O Comandante, agora ia responder ao Chefe, que ia responder ao Operador de rádio. Mas entretanto, releu a mensagem do Almirantado que autorizava o concerto, e terminava a desejar as maiores felicitações a toda a tripulação.
Então o Comandante tirou o charuto da boca, rodou-o suavemente, entre o polegar e o indicador direito, e disse:
Transmita que não temos piano
Depois tirou uma longa puxada do charuto apagado, e concluiu com um sorriso:
E um feliz Natal
Autor: Eng. Artur Manuel Pires Membro da Direção da CMP-LNP